Por Adalberto Luque
Marcelo (nome fictício) estava ansioso por sua primeira viagem internacional. Além de conhecer outro país, iria ver neve pela primeira vez. Durante meses, planejou tudo com cuidado. Iriam ele, a esposa, a sogra e o sogro, ambos com mais de 65 anos. As passagens foram o primeiro passo — pesquisou bastante até encontrar o melhor preço.
“Diziam para buscar em aba anônima do navegador no computador. Funcionou uma ou duas vezes, mas depois o valor só subia. Parei de pesquisar por algumas semanas e deu certo. Sairíamos de Ribeirão Preto, com escala em Congonhas, depois Guarulhos, e voo direto para o Chile”, lembra.
Com as passagens parceladas em quatro vezes, começou a busca pelo local da hospedagem. A sogra preferia hotel com café da manhã, enquanto ele achava mais econômico e prático alugar um apartamento. Encontrou um flat em uma plataforma de locação: dois dormitórios (um deles suíte), sala e pequena cozinha com micro-ondas. O imóvel ficava em Las Condes, bairro nobre de Santiago e oferecia café da manhã.
Sem conhecer bem a cidade, Marcelo enviou mensagem ao anunciante pelo chat da plataforma para confirmar a localização. “Ele disse que era a menos de 200 metros da estação de metrô Escuela Militar. Conferi no Google Street View e era verdade. Vi também mercados e lojas por perto. Resolvi fechar.”

Logo depois, recebeu nova mensagem do suposto anfitrião com um número de telefone escrito de forma disfarçada — parte por extenso, parte em numeral. “Percebi que era o contato dele em aplicativo de mensagens.”
Ao enviar mensagem, o golpista respondeu: pela plataforma, a diária custava US$ 430 (R$ 2.400 cotação de junho), mas, se fizessem “por fora”, ficaria em US$ 330 (R$ 1.800), já sem as taxas. A única exigência era o pagamento antecipado.
“Fiz o depósito e, no dia combinado, embarcamos. Chegamos à noite e fomos direto ao flat. Falamos pouco espanhol, mas logo percebemos que o apartamento estava ocupado. O dono não apareceu e nem quis falar conosco. Nossa viagem virou um pesadelo. Tivemos de pagar hotel, procurar delegacia e consulado. Foram as piores férias da vida. Alugamos outro imóvel, longe e ruim, e a plataforma não se responsabilizou porque fechamos fora dela”, conta Marcelo.
Golpes em alta
O caso do turista que foi ao Chile é um entre muitos que ocorrem principalmente na alta temporada, quando aumenta a procura por imóveis em destinos turísticos. O problema afeta tanto turistas quanto proprietários.
“Alugo um apartamento para temporada há décadas, na Vila Caiçara, Praia Grande. Duas vezes clonaram minhas fotos e anunciaram mais barato. Isso afasta interessados, que passam a desconfiar”, relata um proprietário que prefere não se identificar.

De outro lado, há quem sonhe com as férias perfeitas e descubra, ao chegar, que o imóvel nunca existiu. Em alguns casos, os próprios golpistas avisam. Como ocorreu com uma família de Campinas que iria passar férias no Guarujá, litoral paulista. Pouco antes da viagem, receberam uma mensagem:
“Estou entrando em contato para pedir que não vá ao local, pois nada do que conversamos existe, tudo não passou de golpe. Infelizmente, é nosso trampo. Estou avisando para que não dê viagem perdida. Deus abençoe vocês.”
Anúncios falsos
Advogado, especialista em direito imobiliário, corretor de imóveis, professor universitário e autor do livro “Locação de Imóveis para: corretores, proprietários e inquilinos”, Luís Felipe Archangelo admite que, infelizmente, o número de golpes cresce bastante no período das festas de final de ano e férias de janeiro.
“Muitos criminosos aproveitam a pressa das pessoas para fechar negócio e aplicam golpes por meio de anúncios falsos. É comum, por exemplo, a oferta de apartamentos com vista para o mar por preços muito abaixo do mercado. Essa diferença de valor geralmente é um sinal de alerta. Por isso, é importante redobrar a atenção”, ensina.
Segundo o especialista, os golpes mais comuns envolvem anúncios de imóveis que não existem ou pertencem a outras pessoas. Os golpistas usam fotos reais, copiadas da internet ou até mesmo tiradas após visita ao imóvel, com chaves obtidas em imobiliárias, para dar mais credibilidade ao golpe.
“Depois, pedem um pagamento antecipado, geralmente via PIX, e desaparecem. Também há casos de pessoas que se passam por corretores ou proprietários sem qualquer ligação com o imóvel”, explica Archangelo.
Outra situação que acontece com frequência é em relação à discrepância quanto ao imóvel anunciado. Às vezes, o imóvel até existe, mas as fotos são antigas ou foram editadas para parecer melhor do que realmente é.
“Também há casos em que a localização informada no anúncio não corresponde à realidade. O resultado é frustração para quem chega ao local e encontra um imóvel em péssimas condições ou longe de onde imaginava estar”, acrescenta Archangelo.
Cuidados
O professor e especialista em direito imobiliário lembra que, antes de fechar um negócio, é fundamental verificar se o imóvel realmente existe, se quem está oferecendo é de confiança e se o preço está dentro da média.

“Sempre que possível, dê preferência a imobiliárias registradas no CRECI e plataformas conhecidas. Também é importante formalizar a locação com um contrato, mesmo que seja por temporada, para garantir mais segurança. Evite fazer pagamentos antecipados sem ter certeza da legitimidade do anúncio”, orienta.
Outra dica de Archangelo é procurar grandes plataformas especializadas na locação de imóveis para temporada. Elas contam com sistemas que verificam a identidade de quem anuncia e permitem que usuários deixem avaliações sobre imóveis e anfitriões, o que as torna mais seguras.
“Além disso, o pagamento só é repassado ao locador depois que o hóspede entra no imóvel, o que diminui bastante o risco de cair em um golpe. Algumas delas também oferecem seguros e assistência em caso de problemas”, aduz.
O que fazer se cair em golpe
O advogado é taxativo: a primeira coisa a fazer é registrar boletim de ocorrência. Depois, é preciso reunir todas as provas que tiver, como prints de conversas, anúncio, comprovante de pagamento e qualquer outro documento que possa mostrar o que aconteceu.
“Com a ajuda de um advogado, é possível entrar com um processo para tentar reaver o dinheiro e até pedir uma indenização por danos morais, dependendo do caso.”
Segundo o especialista, também é possível recuperar o dinheiro quando o pagamento é feito via PIX, por se tratar de uma ferramenta segura e rastreável, o que ajuda na identificação da conta para onde o dinheiro foi enviado.
“Porém, a recuperação só será possível se a conta ainda estiver ativa e com saldo. Por isso, é fundamental agir rápido: registrar o golpe o quanto antes aumenta as chances de que o valor possa ser bloqueado por decisão judicial. Ainda assim, não há garantia de recuperação. Por isso, a prevenção continua sendo o melhor caminho. Na maioria das vezes, utilizam contas de laranjas e o dinheiro é sacado rapidamente ou transferido para outra conta de imediato”, conclui Archangelo.
Diante do crescente número de golpes, o melhor a fazer é mesmo cautela. Buscar informações, se possível visitar e fazer tudo com contrato de locação — afinal, a locação de imóvel para temporada é prevista por lei. É um instrumento de segurança tanto para quem quer alugar seu imóvel quanto para quem procura um imóvel para alugar. Só assim é possível ter férias inesquecíveis — positivamente.
Um computador e muita lábia
O golpista não precisa viver ou “trabalhar” perto do imóvel usado para aplicar o golpe. Com um computador e boa lábia, é possível clonar fotos e convencer vítimas a fechar rapidamente o suposto aluguel do “imóvel dos sonhos” para garantir as férias no paraíso. Foi o que fez Daniela de Aguiar Nossa, presa em Sepetiba, zona oeste do Rio de Janeiro, por policiais civis de Santos, acusada de aplicar o golpe do falso aluguel.
A mulher, de 37 anos, já havia sido presa anteriormente por aplicar o golpe “Boa Noite, Cinderela” contra um turista alemão, em 2025. Depois, passou a se especializar em falsos aluguéis de temporada no Rio de Janeiro e no litoral de São Paulo.

A prisão foi realizada por policiais civis do 2º Distrito Policial de Santos, que cumpriram, em 26 de agosto deste ano, mandados de prisão temporária e de busca e apreensão contra a suspeita, apontada como líder de um grupo de golpistas. Durante as buscas na residência da investigada, os agentes apreenderam um computador com informações relevantes para o inquérito.
Daniela foi levada a uma delegacia no Rio de Janeiro, interrogada e, em seguida, encaminhada a uma unidade prisional na capital fluminense, onde permanece à disposição da Justiça. No litoral paulista, ela teria feito pelo menos três vítimas, com anúncios falsos em redes sociais e plataformas como Facebook e Marketplace, usando perfis falsos. Uma das vítimas pagou R$ 2.800 pelo aluguel de um apartamento próximo à praia que não existia. As investigações continuam.
Viroses
Além dos golpes, turistas que planejam viagens na alta temporada devem se atentar também aos riscos à saúde. Entre o fim de 2024 e o início de 2025, um surto de virose superlotou os serviços de saúde e causou falta de medicamentos no litoral paulista.

Cerca de 11 mil pessoas apresentaram sintomas como diarreia, náuseas e vômito. As cidades mais afetadas foram Guarujá e Praia Grande, com mais de 2,5 mil casos cada.
Ações preventivas incluíram a distribuição de hipoclorito de sódio e campanhas educativas sobre sintomas e cuidados. A recomendação principal é consumir apenas água filtrada e alimentos preparados em boas condições de higiene, para evitar problemas durante as férias.

