Rui Flávio Chúfalo Guião *
Aproveitando a beira da piscina e passeando pelas minhas memórias, me dei conta de que esta é a nona casa onde moro nesta minha vida já octogenária. Na primeira, nasci, pelas mãos competentes de D. Adelaidinha, parteira famosa. Ficava na rua Rui Barbosa, em frente à Praça Camões, onde filho único,passei minha infância e juventude, estudando, brincando na praça e nadando na Recreativa. Concluídos os estudos no Guimarães Júnior e no Otoniel Mota, fui admitido na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Para maior proximidade com minha mãe, meu pai comprou uma casa ao lado de seu escritório de advocacia, bem no centro da cidade, onde eu vivia intermitentemente, pois mudei-me para São Paulo. Minha experiência paulistana começou na Pensão Arcuri, na Brigadeiro Luís Antônio, perto da faculdade, para onde meu pai me enviou para aprender como era a vida real. Ali dividia o quarto com outros três moradores e o banheiro único com todos.
Findo o primeiro ano, decidi alugar um apartamento na rua Martins Fontes, que dividia com meu amigo de longa data e colega da faculdade, Feres Sabino, minha quarta residência. A primeira visita de minha mãe ao apartamento e o seu choro compulsivo quando viu a nossa bagunça me motivaram a melhorar a ordem doméstica. Foram quatro anos de estudo, num espaço pequeno, para onde voltávamos após as aulas e as maquinações da política universitária.
Formado, casei-me e passei a morar numa casa cedida por meu pai, na rua Garibaldi, ao lado do Hospital São Francisco e da farmácia do “seo” Zé Viana, que frequentava para ótimos papos. Nesta casa, nasceram meus filhos Luís Eduardo, Rui Flávio e Heliodora. Não tínhamos piscina, mas um tanque pequeno, onde eles se refrescavam. Já praticando o Direito, surgiu a oportunidade de comprar uma casa maior, financiada pelo então Banco Nacional de Habitação e lá fomos morar na rua Marechal Deodoro, esquina da José Leal. Ali nasceram meus filhos Alexandre e Rodrigo, completando minha alegria e orgulho de nossa prole.
Com o crescimento dos filhos, a casa ficou pequena. Se cada um deles trouxesse cinco amigos para nadar (o que ocorria bastante) tínhamos vinte e cinco pessoas disputando o nosso espaço.
Surgiu a oportunidade de alugar uma casa grande, na Ribeirânia, de dois andares, repleta de varandas e lugares gostosos. Lembro-me de, num dia, a turma de futebol dos meninos, capitaneados pelo Dr. Sócrates promovia um churrasco na parte de baixo, enquanto meu filho Alexandre ganhava uma festa surpresa de aniversário, na parte de cima. Com o ingresso dos filhos nas universidades, a casa foi se esvaziando, só se enchendo nos finais de semana em que eles nos vinham visitar.
Era época da eleição do Collor, muita fofoca sobre o que ele faria com os nossos dinheiros. Resolvi sacar os recursos dos investimentos e comprei uma casa em construção no Condomínio Chácara Hípica. Com a posse do presidente e confisco bancário, foi uma dificuldade terminar a obra. Como tínhamos lojas de materiais de construção, fiz várias trocas com fornecedores.
E assim, aos trancos e barrancos, terminamos a casa. Vivemos na Hípica por trinta e dois anos. O condomínio era precário no início, tivemos de asfaltar a rua da frente, plantar árvores, levantar muros, para finalmente chegarmos a uma das mais confortáveis casas que tivemos, cercada por um grande arvoredo, flores e inúmeros pássaros. Agora, instado pelos filhos, mudamo-nos recentemente para um condomínio onde moram dois deles e muito perto do condomínio de outro.
Casa confortável, jardim planejado pelo notável paisagista Marcelo Novais, que já vai se enchendo de flores, casa que tem capacidade de receber meus filhos, netos e bisnetos. Deste passeio, fica a lembrança viva de que fui muito feliz, ao lado de minha esposa dedicada, mãe exemplar, avó carinhosa e agora bisavó diligente nas casas onde moramos. Ali aprendemos a nada fácil arte da convivência, respeito e construímos juntos uma grande família, que nos apoia sempre e nos enche de orgulho.
* Advogado e empresário, é presidente do Conselho da Santa Emília Automóveis e Motos e secretário-geral da Academia Ribeirãopretana de Letras

