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Psicologia da vida cotidiana (13): Música e celular no trânsito – A vida dança

Por: José Aparecido Da Silva

 

Estímulos, ou ações como conversar com passageiros, sintonizar o rádio, ver propagandas ou conversar ao celular, podem afetar as demandas da tarefa e o desempenho de dirigir. Interessante estudo examinou a influência da música no comportamento de dirigir, e se o esforço mental mediava este efeito. Participantes dirigiram num simulador, ouvindo ou não música. O comportamento de dirigir foi manipulado em ambientes simulando diferentes condições de tráfego, de maneira que o contexto de dirigir ocorria em situações complexas e monótonas. As simulações incluíam incidentes críticos que normalmente ocorrem ao dirigir em áreas residenciais, como carros cruzando vias, semáforos abrindo e fechando, motoristas violando regras de trânsito, não dando a preferência, virando à direita, ou à esquerda, sem darem sinais de seta. Ao mesmo tempo, os experimentadores monitoraram a carga mental dos motoristas fazendo com que eles registrassem, verbalmente, seu esforço mental em certos momentos enquanto dirigiam.

Os resultados indicaram que ouvir música aumentou o esforço mental enquanto dirigindo, independente da situação de dirigir ser complexa ou monótona, suportando a suposição geral de que a música pode ser um estímulo auditivo distraindo os condutores. Contudo, os motoristas pareceram ser hábeis em manter um nível de desempenho satisfatório com a presença da música, pois, motoristas que ouviram música desempenharam tão bem quanto aqueles que não ouviram, indicando que a música não prejudica o desempenho de dirigir. O aumento no esforço mental enquanto ouvindo música revela que os motoristas tentam regular seu esforço mental como uma estratégia cognitiva compensatória para lidar com as diferentes demandas da tarefa. Ademais, constatou-se que o esforço mental pode mediar o efeito da música no desempenho de dirigir em situações que requerem atenção sustentada. Os pesquisadores, também, aventaram a hipótese de que algumas características da música como ouvi-la em alto volume, podem deteriorar o desempenho dos motoristas. Acerca do celular, estudos epidemiológicos demonstram risco mais elevado de colisões entre motoristas que deles se utilizam enquanto dirigindo quando comparados com motoristas que não o fazem. A literatura sugere que o uso do celular aumenta quatro vezes mais a probabilidade de colisão, sendo tal risco elevado tanto para o uso manual quanto para o viva-voz.

Análises das conversações ao celular indicam que falar mais de 50 minutos/mês no aparelho foi associado a um aumento seis vezes maior do risco de acidentes. Há outros levantamentos indicando que, atualmente, 20% das colisões fatais são provocadas pela desatenção gerada por eles. O alto risco de colisões associado ao uso do celular surge de várias fontes. Uma delas mostra que tal uso, ou demandas comparáveis, pode causar interferência cognitiva e ou operacional na tarefa de dirigir, aumenta o tempo de reação, prejudica a alocação visual e o controle da velocidade. Outros estudos sugerem que motoristas compensam a demanda adicional atentiva dirigindo mais preventivamente. Um exemplo? Quando o motorista diminui a frequência de mudança de pistas, mantendo distância maior do carro à frente e reduzindo a velocidade do veículo.

Para verificar se o risco mais elevado de colisão entre indivíduos, que usam celulares enquanto dirigindo, é devido tanto pela interferência direta do aparelho na tarefa de direção, quanto pelas tendências do motorista de se engajar em comportamentos de risco, independente do uso do celular, pesquisadores investigaram a proporção de acidentes de trânsito entre usuários frequentes e não frequentes de celulares. Para isso, foram realizadas mensurações de desempenho de motoristas dirigindo em rodovias juntamente com atitudes em relação ao excesso de velocidade, bem como, comportamentos de ultrapassagem e preocupações acerca de estar envolvido numa colisão. Os dados revelaram que indivíduos que registraram frequentemente usar celulares enquanto dirigindo foram, também, identificados como dirigindo mais rápido, mudando de pista mais frequentemente, permaneceram mais tempo à esquerda (contramão), engajaram-se em situações de frenagem mais bruscas e aceleraram mais inesperadamente. Também, pontuaram mais elevadamente em violações do comportamento de dirigir, registrando atitudes mais positivas em relação à excesso de velocidade e ultrapassagem do que os motoristas que confirmaram usar o celular corretamente enquanto dirigindo. Padrões comportamentais individuais aumentam, consideravelmente, a probabilidade de envolvimento em acidentes de trânsito e inúmeros fatais. A vida não pode dançar dessa maneira.

Preocupado com os processos psicológicos e comportamentais no trânsito, nosso colega Fábio de Castro (2019) editou um excelente livro em que analisa as múltiplas facetas da Psicologia do Trânsito e Transporte. Por meio de múltiplos olhares, não somente da Psicologia, vários colaboradores oriundos da medicina, da sociologia, da arquitetura e urbanismo decompõem o comportamento no trânsito, como de fato ele se manifesta, complexo e multifacetado. Fica claro ao longo de todo o manual, que a psicologia do trânsito e as evidências por ela demonstradas precisam ser colocadas em prática para reduzirem e prevenirem os milhares de acidentes que têm ceifado anualmente quase 40 mil mortes de brasileiros. A dança precisa ser única: basear-se em evidências, nas ciências, para termos um trânsito seguro e preservarmos vidas.

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