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A confissão

Antonio Carlos Augusto Gama *

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A confissão é um desabafo, uma entrega da intimidade, uma revelação, que fazemos a outros, a um amigo íntimo e confiável ou a Deus. 

Há muitos livros confessionais, autobiográficos, como o de Santo Agostinho, e o de Rousseau, justamente intitulados “Confissões”.

Confessa-se oralmente, ou através de cartas, e até por livros inteiros, aparentemente ficcionais. A Igreja Católica instituiu a confissão, que se faz ao sacerdote, garantida pelo sigilo, e com o objetivo do arrependimento, da penitência e do perdão.

Ela é também o processo de cura para os adeptos da psicanálise, que vão extrair longamente dos pacientes o que trazem no subterrâneo do inconsciente. 

A poesia, ou melhor, os poemas, são geralmente confessionais, para não dizer que toda obra de arte o é.

Ao réu, porém, nos processos, é permitido não se confessar, e até mentir para se defender. E há ainda processos químicos, psicológicos, ou de tortura, detestáveis, para extrair a confissão dos prisioneiros e rebeldes.

Esta necessidade de se extravasar, de se reconhecer culpado ou pecador, acompanha o homem durante toda a sua vida.

Mas ele também se defende com a obliteração da memória, com o esquecimento. Sepulta os fatos num desvão inviolável até para ele mesmo.

Entre o homem e a mulher, ainda que apaixonados, há uma reserva intocada da intimidade. Igualmente porque nos desconhecemos no mais profundo de nossa alma.

O sigilo imposto pelo Estado, em certos documentos secretos, é sempre mantido como reserva política ou ideológica. E nem adianta abrir os arquivos, porque deles muitos papéis foram subtraídos, ou destruídos. Desta maneira, a História será sempre uma ficção daquilo que propomos ser, e não somos.

Aos diários, cartas, os seus autores têm o hábito de recomendar expressamente que só venham a público tantos anos depois do falecimento de quem os escreveu.

Confessional foi Pedro Nava, nos vários volumes das suas admiráveis memórias, desde “Baú de Ossos”, embora as transfigurasse em literatura.

E o “Crime e o Castigo” atormentaram sempre Dostoievski. Não serão confessionais (do ponto de vista de seus protagonistas) duas das obras primas de Machado de Assis, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Dom Casmurro”?

A moda da confissão existiu de modo geral nos poetas e escritores do modernismo brasileiro, desde Mário de Andrade, sobretudo em suas cartas.

Foi também confessional, embora sarcástico, Oswald de Andrade, e outros. 

Carlos Drummond de Andrade chegou a escrever uma carta a Tristão de Athayde, confessando-se, e escrevendo logo que ia fazê-lo, “não como a sinceridade de um depoimento, mas de uma confissão”.

Confessou-lhe, ainda, que “sou apenas um vil poeta (digo isso sem literatura). Considero o poeta um dos seres menos compreensivos do mundo, um dos mais primitivos…

”

A confissão pode ser também uma descarga emotiva que vem do fundo, aperta a garganta e se extravasa em choro, em lágrimas, em soluços.

Depois, o confitente se acha aliviado. Botou para fora o que estava oculto. É um vômito. Um desmascaramento.

A necessidade de se esconder, de não se revelar, de ser para os outros e para nós mesmos o que na verdade não somos, acompanha o homem na convivência social. Se ele vivesse absolutamente só, em lugar completamente desabitado, não precisaria vestir-se, esconder-se. Talvez refletisse sobre si mesmo, e se acharia um animal monstruoso.



* Promotor de Justiça, aposentado, advogado, professor de Direito e escritor

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