Por Adalberto Luque –
Criado oficialmente em 26 de outubro de 2016, a história do Canil da Guarda Civil Metropolitana (GCM) de Ribeirão Preto começou a ser contada, na verdade, bem antes da publicação do decreto no Diário Oficial do Município. Idealizada pelo atual subcomandante da GCM, Mário Luchetti, o canil começou a ganhar forma com a concordância do então comandante da Corporação, André Luiz Tavares, que estava encerrando sua gestão no órgão.
Luchetti trabalhava no Romu, em ações preventivas contra tráfico de drogas próximo a praças, escolas e unidades de saúde. Para evitarem ser presos por tráfico, os traficantes escondiam porções e ficavam com o suficiente para vendas imediatas e, em caso de serem surpreendidos, responderem como usuários. Um trabalho de inteligência e contrainteligência.
“Fui até o André Tavares e falei sobre minha ideia. Ele aceitou de imediato, dizendo que sempre quis contar com o canil, mas não dispunha de verba. Teria que ser tudo por conta nossa”, disse Luchetti.
O então agente da GCM, ao lado dos colegas de farda Jonas Soares e José Augusto Xavier (este último, o atual comandante do Canil) foram à luta. Conseguiram doações junto a indústrias e empresários locais.
Trabalharam nas horas vagas como pedreiros, pintores e se aperfeiçoaram, até que pudessem comprar um cachorro. Índio havia sido indicado pelo responsável pelo Canil do 3º Batalhão de Polícia Militar do Interior 3º BPM/I, hoje Batalhão de Caçadores), Ricardo Alexandre Cazarotte. O PM sabia do potencial do pastor belga malinois.
Com muito trabalho, Luchetti, Xavier e Soares conseguiram os R$ 7 mil necessários para comprar Índio. E iniciaram os treinamentos. Graças ao empenho dos três e com ajuda de muitos outros guardas civis metropolitanos, empresários e da população, a Base do Canil da GCM foi inaugurada em 22 de dezembro de 2016, no Parque Permanente de Exposições.
O início
“Sem que soubéssemos, um certo dia o PM Cazarotte chegou e pediu que saísse com o Índio. Saí e ele começou a farejar. Fiquei olhando e o Cazarotte perguntou: ‘o Índio está farejando. O que você faz quando isso acontece?’ Respondi que era para pagar o prêmio. ‘O que está esperando?’, disse ele. Joguei a bolinha para o Índio a cada descoberta. Ele tinha preparado três pontos sem que soubéssemos e o Índio farejou todos”, lembra.
A partir daí, a história do canil começou a ser escrita definitivamente. Vieram as ocorrências e Índio se destacava por sua destreza em farejar drogas. Os traficantes escondiam e ele descobria. Mas como um agente da GCM, o K9 (cão de faro) trabalhava em regime 12 por 36, ou seja, dia sim, dia não.

“Os traficantes então passaram a analisar. ‘Hoje é dia de cão, vamos esperar, que amanhã não tem cão’, costumavam dizer. Então Luchetti, Xavier e Soares passaram a pensar em aumentar o efetivo canino da GCM. E, novamente, passaram pedindo ajuda ao comércio e indústria, além de atuarem novamente como pedreiros.
Desta vez, para acomodar os agentes K9 na nova base. A administração destacou um imóvel na avenida Pio XII, Vila Virgínia, zona Oeste, onde estão até hoje. E, mais uma vez, os três agentes da GCM se viram como pedreiros, pintores, eletricistas e captadores de recursos para a atual base do Canil.
Formou-se, então, a primeira geração do Canil, com Índio (Pastor Belga Malinois), Max (Border Collie), Sansão (Golden Retriever), Black (Pastor Belga Malinois) e Odin (Pastor Belga Malinois). Alguns adquiridos, outros doados. Com resultados expressivos, começaram a ganhar reconhecimento.
Além das fronteiras
O Canil da Guarda Civil Metropolitana passou a atuar na região metropolitana de Ribeirão Preto, composta por 34 municípios. A primeira ação fora da cidade base ocorreu em Serrana. Em 2018, a Polícia Civil requisitou o canil e Índio inaugurou a nova etapa.
Apesar do Canil do 3º BPM/I (hoje Canil do 11º Batalhão de Ações Especiais de Polícia – BAEP) ser a grande referência, até policiais militares de cidades na região metropolitana pediam apoio do Canil da GCM.
Ação após ação, os K9 e seus adestradores e acompanhantes se destacavam com os resultados expressivos. E com o aumento nas solicitações para participarem de ações conjuntas, tanto em Ribeirão Preto, quanto em outras cidades da região metropolitana.
Aposentadoria e renovação
O esquema de trabalho dos K9, todavia, tem “prazo de validade”. Segundo Luchetti, ficou estabelecido que um cão de faro pode trabalhar até seus 7 anos, 11 meses e 29 dias. Ao completar 8 anos de vida, ele se aposenta.
“Um cão de faro pode ser selecionado ainda no ventre de sua mãe. Ainda filhote, ele é observado para ver se desenvolve aptidões. Mas o cão de faro nada mais é do que um cão que aprende a brincar para receber a recompensa. Para ele, farejar, por exemplo, é uma brincadeira. Achando, ele ganha o prêmio, que é morder a bolinha”, ensina o subcomandante da GCM.
Eles passam a ser treinados na transição da infância para a juventude. Geralmente quando têm um ano e se tiverem aptidão. E o preparo dos adestradores leva em torno de seis meses, até que estejam prontos para sair em ações. “Na verdade, para eles tudo é brincadeira. Eles sabem que se encontrarem o que queremos, vão ganhar o prêmio, que é a bola”, diz Luchetti.
Índio foi o primeiro a se aposentar e a renovação começou. Veio então a segunda geração: Fenrir (Pastor Belga Malinois), Hope (Pastor Belga Malinois), Conan (Rottweiler) e Aisha (Pastor Belga Malinois).
Desta vez, além de faro, outras modalidades foram treinadas. “Nossos cães passaram a mexer no bolso dos traficantes, causando prejuízo com as apreensões. E ficaram hostis. Uma vez tivemos que carregar Black até a viatura, para evitar que um grupo de pessoas o machucasse. Ele era apto para farejar, não para proteger”, lembra Luchetti.
Assim, Conan foi treinado para guarda e proteção e Aisha de show dog, policiamento e faro. Se na primeira geração os que mais atuavam eram Índio, Black e Odin, na segunda os principais farejadores de drogas foram Fenrir (filho de Black e de uma pet chamada Princesa) e Hope, que foi a primeira K9 a também farejar pessoas através de adrenalina e odor específico na Corporação.
E os resultados não pararam mais. Black, por exemplo, foi responsável pela maior apreensão do Canil da GCM, farejando 400 quilos de entorpecentes em uma única ação, realizada no bairro Cristo Redentor, zona Norte da cidade, em apoio à Polícia Civil. Já seu filho Fenrir farejou 200 kg de drogas, também em uma única ação.
Ações de busca
Vieram fama, respeito e conceito. E os pedidos foram além da fronteira da região metropolitana. Em julho de 2023, o Canil da GCM foi chamado para uma busca em Pindorama, onde um idoso estava desaparecido há cinco dias.

Hope conseguiu localizar o corpo do homem, que havia morrido horas antes. Tempos depois, a mesma K9 Hope participou das buscas de um idoso em Sertãozinho. O homem sofria do mal de Alzheimer. Ele morreu de hipotermia na madrugada anterior à busca, mas o corpo também foi localizado.
Este tipo de faro ajuda a localizar pessoas perdidas, desaparecidas ou foragidas. Até mesmo pessoas soterradas, por exemplo.
Cursos de aperfeiçoamento e formação
A essa altura, já começava a atuar a terceira geração, formada por Apache e Venom (ambos Pastor Belga Malinois). Os dois são filhos de Black e Hope. E o Canil da GCM se tornou referência nacional.
Em 2021 Luchetti, então comandante do Canil, organizou um curso para a formação de condutores de K9. “Há uma diferença entre o adestrador e o condutor. O adestrador treina o cão desde o princípio. Já o condutor não tem todo o conhecimento do adestrador, mas sabe o suficiente para sair com ele na viatura em ação”, explica o subcomandante da GCM.
O curso foi ministrado para condutores de diversas cidades, como Sertãozinho, Pirassununga, São Simão, Pontal, Uberaba (MG), entre outras. O sucesso foi tanto que, em 2023, em outro curso, foi preciso encerrar as inscrições, diante de tantos interessados.

“Vieram pessoas de norte a sul do País. Foi o curso de Cinotecnia, conjunto de conhecimentos e técnicas para a reprodução, manejo, treinamento e uso de cães para fins específicos, como segurança pública, busca e resgate, e detecção de substâncias. Consegui condensar em três semanas. E não foram apenas para agentes de GCMs, mas também policiais penais e até militares. Tivemos inscritos no Acre, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, vários aqui da região e até um do Canil da GCM de São Paulo, um dos mais conceituados”, revela Luchetti.
A nova geração
Fenrir, um dos grandes nomes do Canil da GCM, já se prepara para aproveitar a merecida aposentadoria. Ele encerra sua carreira em junho de 2026. E o Canil da GCM prepara a quarta geração.
Já começam a ser avaliados e treinados Konan (Pastor Belga Malinois), Braddock (Pastor Belga Malinois), Bolt e Hati (Pastores Belga Malinois). Os “recrutas”, como Luchetti gosta de se referir à futura geração. Dessa nova turma, aos poucos os “recrutas” saem em acompanhamento nas missões de Fenrir, Apache e Venon, os três que seguem na ativa. E fazem sucesso, onde quer que vão.
Aposentadoria e futuro
Fenrir se prepara para trilhar o caminho de seu pai Black e todos os demais antecessores. Quando um K9 se aposenta, a preferência de adoção é do adestrador. Caso ele não tenha condições, passa então a ser prioridade do acompanhante, passando em seguida como opção os integrantes do Grupamento do Canil, da própria GCM e, caso ninguém se habilite, a própria população.
Se ninguém se habilitar a adotar o aposentado, ele seguirá vivendo no Canil da GCM, mas sem participar de missão, porém, sendo alimentado com a ração premium e recebendo todos os cuidados necessários.

“Um pastor belga malinois vive, em média, 16 anos, sendo alimentado com a ração premium. Ele trabalha metade da vida, depois segue sendo pet na outra metade, como recompensa por sua dedicação à comunidade”, aponta.
Até hoje, todos os aposentados ficaram com seus adestradores ou acompanhantes. Luchetti, por exemplo, mudou-se para uma chácara e adotou três deles, que junto a outros quatro que já criava, vivem em harmonia.
Agora o subcomandante da GCM se prepara para uma nova etapa, ainda sem data definida para ser implementada. Mas está nos planos de Luchetti trabalhar para implantar a cinoterapia, são cães utilizados em hospitais e casas de acolhimento de idosos e crianças. Esses cães interagem com os internos e ajudam a melhorar seus quadros, muitas vezes graves. “É nosso próximo passo”, revela Luchetti.

