Tais Roxo Fonseca *
O Brasil vive um momento democrático extraordinário, daqueles que muito me orgulho por ter nascido no dia da Bandeira Brasileira e mais ainda no ano de 1964. Depois de um período de degradação institucional, de ataques reiterados ao processo eleitoral e de tentativas explícitas de subversão da ordem democrática, o Brasil assiste a um momento muito precioso: as nossas instituições se equilibrando como o trapezista do Circo do Biriba, o circo da minha infância, que precisava cair para depois atingir a linha da estabilidade.
Durante a semana assistimos a Câmara dos Deputados aprovar a PL da Dosimetria, que prevê a redução das penas de pessoas já condenadas pelos atos de 8 de janeiro de 2023, como o ex presidente Jair Bolsonaro.
Mais uma vez estamos diante a um debate constitucional, ou seja, pode o congresso nacional legislar para reduzir penas ou esvaziar efeitos jurídicos de processos já julgados. Sim, é verdade que o parlamento detém competência legislativa ampla, inclusive em matéria penal. Porém, quando o congresso busca alterar o regime jurídico penal ou processual com o objetivo evidente de beneficiar pessoas determinadas, já condenadas , rompe-se a exigência de generalidade .
Abstração e impessoalidade, que são requisitos essenciais de uma lei. Portanto a PL da Dosimetria não é legal por ser uma mera tentativa de legislação de ocasião, incompatível com o princípio do estado de direito. A Constituição admite, é verdade também, a retroatividade da lei penal mais benéfica aos réus, contudo, essa possibilidade não autoriza destinatário com endereço certo, nome e rg conhecido, nem mesmo normas concebidas como resposta direta à decisões judiciais específicas.
Nesses casos, há violação frontal à separação dos poderes e ao núcleo essencial da função jurisdicional. O Congresso Nacional não é instância recursal do poder judiciário, nem pode se converter em tribunal político de exceção destinado a revisar condenações que desagradam seus protegidos.
Não me apraz torcer pelo destino de um condenado, mas no caso Bolsonaro, que estimulou o ódio, a ruptura institucional, desacreditou o sistema eleitoral, afrontou a constituição e foi omisso diante a uma pandemia que dizimou mais de 700 mil vidas de brasileiros, permissa vênia senhoras e senhores, isso não configura uma perseguição política, mas responsabilização criminal , elemento indispensável para a sobrevivência de qualquer democracia.
O Insigne Professor Sergio Roxo da Fonseca ensina em seu livro Discricionariedade Administrativa, que o cidadão comum pode fazer tudo o que quiser, menos o que a lei o proíbe e que a autoridade pública, não podem fazer nada, somente o que a lei permite que faça.
Assim, o Congresso Nacional não pode legislar sem respeitar os requisitos da lei, que se for aprovada será uma lei ilegítima por não preencher seus requisitos de subsistência. Este é o verdadeiro teste do momento brasileiro. Ou o Brasil consolida a supremacia constitucional e aceita que o sistema jurídico alcance os que sempre se imaginaram intocáveis ou reincidirá ao velho patrimonialismo, em que os sinos se dobram para salvar somente os poderosos.
A democracia não tolera leis feitas sob encomenda. Se o Brasil vive hoje um momento democrático extraordinário, é justamente porque a Constituição Brasileira está falando alto, acima de todas e todos nós.
* Advogada

