Tribuna Ribeirão
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Psicologia da vida cotidiana (19): Não mate o mensageiro

José Aparecido Da Silva*

 

De acordo com uma lenda, um rei iria receber um mensageiro de terras muito distantes, trazendo notícias de que a filha favorita do monarca estava prestes a se casar com o filho de um de seus mais antigos, e odiados, inimigos. Furioso, o rei matou o mensageiro de imediato. Mas, quando a guarda real foi remover o corpo, descobriu, para surpresa de todos, que o mensageiro era a própria filha do rei, totalmente disfarçada. Tardiamente, o rei entendeu que ela tinha se disfarçado na esperança de prepará-lo e minimizar suas reações agressivas, de modo que eles pudessem, eventualmente, reconciliar-se abençoadamente, pois ambos se amavam profundamente. Qual a moral desta lenda? Que não devemos matar o mensageiro. Não é porque você não gosta da temperatura, que deve quebrar o termômetro. De modo similar ao mensageiro, exames e testes educacionais não podem ser silenciados por cumprirem seus objetivos. Os benefícios da testagem acadêmica são inúmeros, podendo, por brevidade e clareza, serem divididos em 3 grupos: 1º) os que têm o benefício da informação usada para diagnóstico, 2º) os que têm exames padronizados para fornecer informações a serem usadas em seleção de pessoal e 3º) os que têm benefícios que ajudam a mudança de comportamentos induzidos pela presença de um teste ou exame, em especial, os que têm consequências acadêmicas.

No primeiro grupo, tomando como exemplo o progresso ou problemas de um professor ou estudante, os testes padronizados podem revelar fraquezas ou potenciais que corroboram, ou suplementam, as análises previamente obtidas pelos professores ou dirigentes educacionais. Informação para diagnóstico pode, entretanto, ser obtida de testes padronizados que, não necessariamente, têm consequências acadêmicas. Por esta e outras razões ninguém questiona ou disputa este benefício dos testes. No segundo grupo, os testes podem ser úteis aos empregadores e nos exames de admissão nas universidades que buscam, ambos, os melhores examinandos (pessoas que se submetem aos testes), embora estes benefícios para seleção de pessoal sejam questionados por alguns educadores que se opõem à seleção de pessoal e às admissões nas universidades, através de testes, existe uma substância evidência empírica sustentando a existência, e significância, desses benefícios. No terceiro grupo, há estudos revelando que vários comportamentos mudam com a presença de exames educacionais continuamente aplicados para aferir o desempenho acadêmico. Os comportamentos que tipicamente mudam incluem aumento na motivação, por parte de estudantes, professores, administradores ou outros, assim como, a incorporação de feedback a partir dos testes, a atenção focada na tarefa em mãos e aumento da eficiência organizacional, clareza ou alinhamento de padrões, curriculum em instrução.

No geral, inúmeros estudos indicam ganhos no desempenho acadêmico, obtidos a partir da testagem padronizada contínua. Logo, em lugar de matar o mensageiro, deve-se, primeiramente, aferir que benefício e ganho ele traz no processo educacional. É obvio, que educação está no topo das prioridades políticas de quase todos os governantes do mundo. Todos entendem que educação é um elemento essencial numa economia global competitiva e têm centrado grande parte de seus discursos em aumentar a escolaridade, pois, para eles, educação é sinônimo de desenvolvimento econômico. De fato, ao longo do século 20, o debate internacional sobre as consequências econômicas da escolaridade concentrou-se na aquisição escolar ou, simplesmente, na quantidade de escolaridade da população. As ações políticas focalizaram taxas de escolaridade concluída em relação à proporção da população com escolaridade pós-secundária ou similar. Por consequência, as análises dos benefícios da escolaridade foram mais centradas nos efeitos da quantidade ou anos de escolaridade, não importando se eles fossem vistos em termos da renda individual ou em termos dos benefícios sociais, tais como, o aumento na participação dos cidadãos no processo de votação. É natural acreditar que uma estratégia de desenvolvimento produtiva seja elevar os níveis de escolaridade da população. De fato, esta é abordagem capitaneada pelos defensores da iniciativa “Todos pela Educação”. Há, todavia, quatro grandes problemas com estas políticas.

Primeiro, países desenvolvidos, e em desenvolvimento, diferem em várias maneiras além dos níveis de escolaridade. Em segundo lugar, uma parcela de nações, por si própria, e com a ajuda de outras, têm expandido as oportunidades escolares sem estreitar lacunas no bem-estar econômico. Terceiro, nações funcionando pobremente podem não ser hábeis em elaborar programas educacionais efetivos. Quarto, mesmo quando escolaridade seja o foco, muitas das abordagens não parecem ser muito eficientes e não produzem os resultados escolásticos esperados. Ademais, muitas pessoas reconhecem que um ano de escolaridade não produz as mesmas habilidades cognitivas em qualquer lugar do mundo. Todos entendem que as famílias e os colegas, e até mesmo a internet, contribuem para a educação. Saúde e nutrição também afetam as habilidades cognitivas. Entretanto, pesquisas sobre o impacto econômico das escolas, larga, e invariavelmente, ignoram estes aspectos. Ignorar as diferenças na qualidade educacional significativamente distorce o cenário de como o nível educacional, e os resultados econômicos, são relacionados. A distorção omite diferenças importantes entre educação, habilidades e ganhos individuais. Ela omite importante fator determinante da distribuição interpessoal de rendas dentro das sociedades. Há evidências substanciais, e confiáveis, de que a qualidade educacional, refletida na aquisição das habilidades cognitivas, tenha um forte impacto causal nos ganhos individuais e no crescimento econômico das nações. Ao longo dos últimos dez anos, um crescente volume de pesquisas tem demonstrado que considerar a qualidade da educação, mensurada pelas habilidades cognitivas, substancialmente, aumenta a avaliação do papel da educação no desenvolvimento econômico. Portanto, ignorar as diferenças na qualidade educacional negligência e omite a verdadeira importância do elemento-chave da educação para o desenvolvimento econômico: as habilidades cognitivas, isto é, a inteligência. Devo terminar deixando esta mensagem final, citando Galileu: “se Deus nos deu a inteligência por qual razão quereria tirá-la de nós.” Nenhuma. Você decide.

 

Professor Titular Sênior – USP-RP*

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