Tribuna Ribeirão
Artigos

A aprovação do “Decreto Della Vergogna…”  

… e seus impactos na comunidade Ítalo descendente no Brasil

Felipe Lubianchi *
@felipelubianchi

Na última terça-feira (20) pela Câmara dos Deputados Italiana, o aprovado Decreto-Lei nº 36/2025 representa um episódio sombrio para os milhões de descendentes de italianos ao redor do planeta. Com o apoio absoluto da base aliada do governo de Giorgia Meloni, a Itália optou por romper com uma de suas mais emblemáticas características identitárias: o vínculo profundo e duradouro com sua diáspora.

Sob o pretexto de “coibir irregularidades”, a primeira ministra italiana e seus correligionários desconstroem o princípio do jus sanguinis, que por décadas simbolizou o sentimento de pertencimento de italianos e seus herdeiros espalhados pelo mundo. Com a justificativa de “preservar o sistema”, o Executivo simplesmente rompeu os elos históricos que uniam o país àqueles que um dia deixaram o solo italiano em navios movidos por esperança, deixando para trás não apenas uma terra natal, mas um lar cultural.

O paradoxo salta aos olhos: um governo que exalta raízes, identidade e soberania nacional, agora exclui milhões de descendentes legítimos por não terem nascido dentro dos limites geográficos da península. A nova legislação — informalmente batizada de “Lei Tajani”, em referência ao chanceler e vice-primeiro-ministro AntonioTajani — restringe o acesso à cidadania italiana aos filhos e netos de italianos, impondo critérios que desconsideram a complexidade histórica e migratória de seus cidadãos pelo mundo.

A exigência de um “vínculo efetivo” com a Itália chega a soar ofensiva para aqueles que cresceram em lares onde se falava dialeto vêneto, calabrês, siciliano ou abruzzês, onde as tradições eram mantidas vivas nas receitas da nonna, no calcio italiano, bem como em todo alto consumo dos produtos “made in italy” e onde o reconhecimento da origem italiana por meio do passaporte e de sua carteira de identidade era um sonho cultivado com orgulho.

Entre as novas regras que compõem o Decreto 36/2025, destacam-se: 

  • Limite à transmissão automática: A cidadania só é transmitida automaticamente à segunda geração (filhos e netos de italianos nascidos na Itália). 
  • Da transmissão aos filhos menores: Os italianos nascidos no exterior terão até 1 ano após o nascimento do filho para poder registrar o filho no consulado e transmitir a cidadania italiana para os filhos. Para aqueles que já possuem filhos menores e que ainda não registraram, o prazo é até o dia 31/05/2026.
  • Fim dos pedidos via consulados: todos os requerimentos serão analisados por um escritório central no Ministério das Relações Exteriores em Roma, com um período de transição de 1 ano para implementação. 
  • Vínculo cultural obrigatório: “cidadania ativa”: Mesmo para aqueles que já tiveram a cidadania italiana reconhecida, bem como aos futuros reconhecimentos, para manter o vínculo ativo, será necessário exercer o voto em eleições italianas, Renovação de passaporte ou carteira de identidade e Pagamento de taxas consulares ou impostos, dentro do período de 25 anos, sob pena de suspensão da cidadania italiana;O decreto inclui ainda uma cláusula de peso: o artigo 3-bis, que estabelece que qualquer pessoa nascida fora da Itália e titular de outra nacionalidade será considerada como nunca tendo possuído a cidadania italiana — salvo se atender a exceções de cunho burocrático. Em outras palavras, a descendência italiana perde, com isso, sua legitimidade jurídica. E, junto dela, esvanece-se uma parte essencial da identidade italiana no exterior.Não há como amenizar: o governo italiano rompeu com os ítalo-descendentes. Rompeu com os compromissos de campanha, com a tradição republicana de abraçar os filhos da emigração, com os valores constitucionais — segundo juristas — e com a noção de uma Itália que ultrapassa fronteiras físicas. Aos que se sentiram abandonados por essa decisão, resta buscar amparo no Judiciário. A esperança repousa nos tribunais, na jurisprudência consolidada e no artigo 24 da Constituição Italiana, que assegura a todos o direito à justiça.

    A batalha agora está na mão de nós advogados, das entidades de representação, das famílias que se recusam a aceitar o apagamento de suas origens. O que o conselho de ministros realizou não foi apenas sancionar um decreto, mas sim fechar as portas na face de milhões de descendentes que, por décadas, sustentaram com orgulho sua herança italiana.

    Há uma destruição da ponte entre a Itália e seus filhos ao redor do mundo.

    A via judicial é a última trincheira a fim de fazer valer nossa italianidade. Lutemos!

    * Advogado especialista em Direito de Família e Sucessões/Direito Imigratório  

Postagens relacionadas

O velório do Fumaça

William Teodoro

Você sabe como eram as bibliotecas na Idade Média?

Redação 1

Você conhece o Uruguai e sua Literatura?

William Teodoro

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com