Antonio Carlos Augusto Gama *
Creio que perdemos a arte e o hábito da conversação. Porque se perdeu também a arte de ouvir. A conversação que não seja apenas a concordância entre os dialogantes, mas a divergência educada. E o silêncio, a pausa, na convivência amigável, entre o café, o vinho ou a cerveja.
A frase “religião e política não se discute” já se tornou ditado popular brasileiro de tão normalizada que é no contexto nacional. Todavia, tudo pode ser debatido numa conversação, o gosto, a religião, a crença e a descrença.
Sem que se alteie a voz e se pretenda ter sempre razão. Os cafés de antigamente eram propícios à conversa; hoje, assim como os restaurantes, eles são inadequados a ela, porque o estrondo das músicas impede que uns ouçam outros, a não ser que gritem. Além do que muita vez os convivas imergem nos seus celulares. Antes, a conversação era sobretudo caseira, familiar, entre amigos que chegavam.
No pátio interno, e até na cozinha, sob o calor do fogão de pedra, nas noites de inverno, sentados todos ao redor da mesa rústica. Também, nas noites de verão, com as cadeiras na calçada. Uma notícia no jornal, ou dada pelo rádio, era pretexto para comentários, que se emendavam uns nos outros. Ou então se mudava de assunto.
Os livros lidos eram outro motivo para a conversa; ou as revistas, o filme que se exibia no cinema. Também os esportes, a moda, a política, e a crítica risonha aos conhecidos e amigos. “Por falar nisso…”
Hoje, não convivemos: disputamos. Não caminhamos nas ruas, aos grupos ou aos pares, falando uns com os outros, vendo a paisagem, parando diante de uma casa velha, de uma paisagem. A violência, os esbarrões, os carros que vão e vêm, impedem essa convivência. O homem está só, em sua casa, cercado por grades.
E, quando acompanhado, a televisão está ligada, e os basbaques ficam diante dela, ouvindo e vendo tolices, surdos uns aos outros. Há uma palavra pouco conhecida, “oaristo”, que significa a conversação amena de um casal. Estão eles sentados no sofá, de mãos dadas, e conversam. Lembram-se dos amigos, dos parentes, recordam a infância, o início do namoro. Folheiam o álbum de retratos.
Na mesa do jantar, a família estava reunida. Até o cachorrinho encontrava-se ali. E, entre o sabor de um prato, o gole de vinho e da conversa amena. O diálogo telefônico é quase sempre inexpressivo.
E prolonga-se nas ruas, dentro dos carros, com o celular. Anda-se com o celular grudado no ouvido, e até nas missas ele está presente. E não se trata de uma conversação, no sentido legítimo da palavra. Conversar é estabelecer laços de convivência saudável. Havia, naturalmente, os conversadores admiráveis, homens experientes e cultos, que sabiam conduzir uma conversa, sem se impor.
As mulheres, infelizmente, eram discriminadas, ou separadas da conversação entre os homens. Conversavam, num canto da sala, os homens, e no outro canto as mulheres. Como se cada um deles, ou delas, tivessem assuntos diferentes, e que não convinham misturar-se.Ora, as mulheres dão graça à suposta gravidade dos homens e são, frequentemente, mais argutas, mais sensíveis do que eles. A narrativa de casos estranhos, ou exemplares, tinha o seu lugar, na variedade dos assuntos abordados.
Às vezes, a declamação de um poema. Ou uma música ao piano. Numa velha propaganda comercial, o grande Adoniran Barbosa indagava: “Nós viemos aqui para beber, ou para conversar?”.
Vamos para ambos, beber e conversar. O que distingue o homem dos outros animais é a conversação. Mas acho que alguns animais também conversam. Ao redor do fogo, ao abrigo de uma caverna, os homens primitivos já deviam conversar.
Seriam a suas histórias de caçadas, que também iam ilustrar as pedras do seu refúgio. O homem contemporâneo amesquinhou a arte da conversação. É apenas o truculento, que esbraveja.
* Promotor de Justiça, aposentado, advogado, professor de Direito e escritor

