Antonio Carlos A. Gama *
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A busca do tempo perdido é também a busca do tempo achado. Porque o recriamos, imaginamos, fantasiamos, e acrescentamos o que ele não tinha. As memórias escritas, por mais fiéis que o seu autor queira que sejam, com documentos, retratos, testemunhos, nunca aboliram a imaginação criadora, que as aumenta ou preenche as lacunas. Quando o vazio é muito grande, salta-se sobre ele, e mistura-se a cronologia. Não vimos, mas cremos que vimos. E apela-se também para a memória dos outros, que é tão falha ou imaginosa como a nossa.
A busca é um reencontro e um desencontro. Os perfumes substituem-se, ou equivalem-se. Quando os ruídos já cessaram, e sobreveio o silêncio, renovam-se em outros, com a água que torna a cair, a manhã que renasce, a tarde que chega, e a noite que tudo encobre. A rosa de ontem permanece na rosa de hoje.
Perdidos e achados eram uma seção dos jornais, que registrava os objetos encontrados nas ruas, nas praças, nos carros, numa estação, e convidava o leitor a vir reconhecê-los e recolhê-los. Perde-se tudo: guarda-chuvas, óculos, dentaduras, carteira com dinheiro, pastas, livros.
Os achados juntam-se aos perdidos, e uns completam outros. O tempo é apenas uma dimensão abstrata, que se confunde com o espaço, e todos os objetos, inclusive nós, ocupamos um lugar no espaço. Logo, ocupamos também um lugar no tempo. Podemos ser removidos, mas de qualquer forma estaremos aí. Ou alhures.
Sim, há os que perdem até a identidade. Mas arrumam outra, e sobrevivem.
Não há, pois, que se desesperar, que sempre nos achamos.
Os espelhos não guardam imagens daqueles que se miraram neles, e se foram. Mas, se olharmos bem na sua superfície, tornamos a encontrá-las. Elas estão atrás de nossa própria cara.
Quem está aí? – pergunta alguém que chega à sua casa, abre a porta, acende a luz, e escuta um rumor lá dentro. Não está ninguém, isto é, estão todos.
Não necessitamos de respostas: necessitamos de perguntas.
Mas, respostas e perguntas estão nos livros lidos, nas cartas guardadas, no dia e na noite que se repetem.
O galo continua a cantar num quintal que existe porque já não existe.
* Promotor de Justiça aposentado, advogado, professor de Direito e escritor

