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A Colômbia e sua Literatura (48): Gabriel García Márquez (2)

Alguns trechos de “Cem anos de solidão”?

“Foi então que entendeu as borboletas amarelas que precediam as aparições de Maurício Babilônia. Vira-as antes, sobretudo na oficina mecânica, e pensara que estavam fascinadas pelo cheiro da pintura. Alguma vez tê-las-ia sentido voejar sobre a sua cabeça na penumbra do cinema. Mas quando Mauricio Babilônia começou a persegui-la como um espectro que só ela identificava na multidão, compreendeu que as borboletas amarelas tinham alguma coisa que ver com ele. Mauricio Babilônia estava sempre na plateia dos concertos, no cinema, na missa, e ela não necessitava vê-lo para descobri-lo, porque o indicavam as borboletas.” (p. 274)

“Ao fim do seu grito aconteceu uma coisa que não lhe produziu espanto, mas uma espécie de alucinação. O capitão deu a ordem de fogo e quatorze ninhos de metralhadoras responderam imediatamente.” (p. 290)

“Quando José Arcadio Segundo acordou, estava de peito para cima nas trevas. Percebeu que ia num trem interminável e silencioso, e que tinha o cabelo empastado pelo sangue seco e que lhe doíam todos os ossos. Sentiu um sono insuportável. Disposto a dormir muitas horas, a salvo do terror e do horror, acomodou-se do lado que lhe doía menos e só então descobriu que estava deitado sobre os mortos.” (p. 292)

“Quando chegou ao primeiro vagão deu um salto para a escuridão e ficou estendido na vala da estrada até que o trem acabou de passar. Era o trem mais comprido que já tinha visto, com quase duzentos vagões de carga e uma locomotiva em cada extremo e uma terceira no centro. Não tinha nenhuma luz, nem sequer os faróis vermelhos e verdes de disposição, e deslizava numa velocidade noturna sigilosa. Em cima dos vagões se viam os vultos escuros dos soldados com as metralhadoras preparadas” (…) “A versão oficial, mil vezes repetida e repisada em todo o país por quanto meio de divulgação o Governo encontrou em seu alcance, terminou por se impor: não houve mortos, os trabalhadores satisfeitos tinham voltado para o seio das suas famílias, e a companhia bananeira suspendia as atividades até passar a chuva.” (p. 294)

“Choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias… O céu desmoronou-se em tempestades de estrupício e o Norte mandava furacões que destelhavam as casas, derrubavam as paredes e arrancavam pela raiz os últimos talos de plantações… A atmosfera estava tão úmida que os peixes poderiam entrar pelas portas e sair pelas janelas, navegando no ar dos aposentos… Foi preciso abrir canais para escorrer a água e desimpedi-la de sapos e caracóis, para que pudesse secar o chão, tirar os tijolos dos pés das camas e andar outra vez de sapatos.” (p. 300)

“Aureliano Segundo voltou para casa com os seus baús, convencido de que não apenas Úrsula, mas todos os habitantes de Macondo estavam esperando que estiasse para morrer. Tinha-os visto ao passar, sentados nas salas com o olhar absorto e os braços cruzados, sentindo transcorrer um tempo inteiriço, um tempo sem desbravar, porque era inútil dividi-lo em meses e anos, e os dias em horas, já que não se podia fazer nada além de contemplar a chuva.” (p. 306)

De acordo com especialistas, a imagem dessas borboletas que acompanham esse personagem é um dos símbolos mais evidentes da magia na história, não apenas no sentido daquilo que não tem explicação, mas no sentido lúdico e encantador, a beleza da imagem, a suavidade das borboletas amarelas nesse episódio de amor e encantamento. As borboletas amarelas representam até hoje a força do realismo mágico na literatura de Gabriel García Márquez.

Já em determinado momento da história, ocorre um episódio no qual uma multidão de trabalhadores que fazia uma greve é dizimada pelo exército. Esse episódio foi inspirado no “massacre das bananeiras”, que ocorreu com trabalhadores da United Fruit Company, na Colômbia. É um episódio macabro e que me fez pensar em muitas coisas. Essa cena de horror e o desfecho desse episódio, ainda segundo especialistas, levam o leitor a pensar nesse personagem transtornado pela própria memória. Solitário nessa lembrança de angústia e de medo. O enredo faz – não apenas nesse episódio, mas em outros também – uma forte crítica à perda da memória do povo que não sabe e não busca conhecer a sua própria história.

Para os especialistas, a definição do tempo inteiriço faz pensar sobre as ocasiões nas quais não podemos prever a duração. A inutilidade de conta-lo, de dividi-lo e a contemplação como única coisa possível de ser feita mostra a impotência humana diante de tudo o que o ser não pode controlar. O realismo mágico sondando a realidade.

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