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A condição humana

Antonio Carlos A. Gama *
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Esta expressão, condição humana, é muito usada, mas ignora-se o que ela seja, ou o que significa. Ela é até o título de um livro de André Malraux, ele que também disse: “São precisos 60 anos, e não 9 meses para fazer um homem”. Ainda: “O homem é aquilo que ele próprio faz”.  Malraux era um intelectual e um escritor que não dispensava frases de efeito, como estas outras:”Não se faz política com a moral, mas também não se faz sem ela”. E mais outras: “Não existe herói sem plateia”; “Os homens morrem pelo que não existe”.

O homem é causa e condição. Não será, porém, ocasional. A circunstância, de Ortega y Gasset (“Eu sou eu e a minha circunstância”) não se confunde com a condição. Penso que condição é mais, e abrange a circunstância.

Primeiramente se deve refletir que há uma condição animal, e o homem se inclui entre os animais. Quer ele que seja “animal superior”, e os demais “animais inferiores”, numa escala que vai até aos seres unicelulares.

A condição humana abrange, sem dúvida, o homem e a mulher. Mas seriam as mesmas?

Inseridos na natureza e na sociedade, homem e mulher desempenham papéis diferentes. O que não significa que não possam exercer os mesmos papéis.

Quem seria mais criador? O homem ou a mulher? Ela concebe, com a ajuda do homem, e é ela que conserva. O homem dispersa, ou é dispersivo. O corpo da mulher adquire nova forma quando está gerando. Todavia, os corpos dele e dela envelhecem e deformam-se com a idade. Suas almas, apesar disso, têm a mesma substância. Não há como negar, não obstante, que há almas masculinas e almas femininas. O que não importa em que não haja homens com alma feminina, e mulheres com alma masculina.

A palavra “condição” implica várias interpretações. E às vezes se confunde com “causa”. Não há causa que não seja causada, e assim se retroage até o infinito. Há causas preponderantes e concausas. Será, porém, a conjunção delas que provoca o efeito, ou o resultado. “Conditio sinequa non”, se diz. Se não houver tal ou qual condição não haverá o resultado.

Qual é a minha condição, qual é a sua? Podemos admitir que ambas são condição humana. Postos, porém, dentro da sociedade, a minha condição não é a sua, nem a sua é a minha. Pertencemos a classes, a profissões e outras, diferentes. Eu sou pai, avô, e você não é. Sou também velho, e você é moço. 

 

Os mortos têm a mesma condição; e nem adianta distingui-los pelos funerais, pelos ritos, pela sepultura. Todos apodrecem igualmente. Será ainda uma condição humana?

Todos são iguais perante a lei. Não, não são.  A justiça, ou a lei, são corretas quando fazem as distinções convenientes. Fazem-no até na aplicação da pena, nos processos-crimes: os velhos recebem pena mais branda. Os menores não estão sujeitos a penas. E assim por diante.

A dignidade humana é resultado da condição humana.

Poderíamos renunciar à condição humana?  Não, não podemos. Por mais degradado que seja, o homem não se despe da condição humana.

A condição humana é um privilégio, ou é um fardo? Ela nos privilegia, mas também nos impõe responsabilidade. Temos direitos e deveres para conosco mesmos, para com os outros, para os animais e para a natureza.

Na guerra, admite-se que se mate o inimigo. Ou que ele nosmate. Igualmente, na legítima defesa. Mas a guerra sem quartel é desumana. Há regras que devem ser observadas entre as partes contrárias. E geralmente violadas, como ocorre agora em Gaza e na Ucrânia.

A condição humana não torna o homem perfeito. Ele é apenas perfectível. E, repetindo Malraux: “São precisos 60 anos e não 9 meses para fazer um homem”.

A condição humana será aperfeiçoável, uma vez que o homem é igualmente perfectível. Contudo, há atributos na condição humana que serão sempre os mesmos. Ela não admite a escravidão, conquanto ela tenha existido e continue a existir sob novas formas. Não deve haver distinções de raças, credos, posição política, e outras, na condição humana. E há. Nem foi a mesma a condição humana ao tempo do império romano e agora, na chamada democracia ocidental, capitalista ou socialista.

As prisões, e outras formas de cerceamento da liberdade devem respeitar a condição humana. Entre nós, as prisões são degradantes.

O homem é um animal condicional. No tempo e no espaço há verbos que o sujeitam à condicionalidade:se eu fosse, acharia;se eu procurasse, encontraria. 

A língua e a linguagem são próprias da condição humana. Extinto um povo, extingue-se ou torna-se morta a língua na qual se comunicava.  Ou ela evolui para outros idiomas.

Qual seria a condição humana dos nossos indígenas, em comparação com os ditos civilizados? Não era a mesma deles, mas residualmente devia manter os seus atributos essenciais. Que foram desrespeitados, pelos que a tinham como mais larga ou superior.

Enfim, a condição humana é um estar aqui. E estar para se aperfeiçoar.

* Promotor de Justiça aposentado, advogado, professor de Direito e escritor 

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