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A Era da Comunicação

Antonio Carlos A. Gama *
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Quando os bravos portugueses aqui aportaram em 1500, o escrivão da pequena esquadra, Pero Vaz de Caminha, redigiu a famosa carta comunicando as boas novas a El Rei D. Manuel, O Venturoso. Tida como a certidão de nascimento do Brasil, a carta finaliza com um pedido em favor do genro do missivista, a inaugurar já no anúncio da nova terra a política do compadrio ou do “homem cordial” a que se refere Sérgio Buarque de Holanda (expressão tão mal interpretada por muitos) que nos caracteriza até hoje:}

“E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza do que nesta Vossa terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha, de Vos tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo.

E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro — o que d’Ela receberei em muita mercê.

Beijo as mãos de Vossa Alteza.

Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.”

Quanto tempo se passou até que carta chegasse às mãos de D. Manuel?

Quem ainda escreverá cartas manuscritas?

Quatro séculos depois, em 1964, Marshall McLuhan, até então um obscuro professor de literatura na Universidade de Toronto, publicou um livro chamado Understanding Media (lançado no Brasil com o título “Os meios de comunicação como extensões do homem”), em que expunha suas teses sobre a tecnologia e o conhecimento. Seguiram-se várias outras obras, como A Galáxia de Gutenberg, Revolução na Comunicação e O meio é a mensagem, além de inúmeros artigos em que defendia opiniões polêmicas, que o tornaram famoso e lhe granjearam críticos e admiradores, sendo considerado por estes últimos como o profeta ou guru de uma nova era que estava por vir, e de fato veio, e deu no que deu.

Instaurou-se a chamada “Era da Comunicação”, que o grande filósofo tupiniquim Chacrinha, buzinando nos nossos ouvidos, sintetizava magistralmente com a máxima: “Quem não se comunica, se trumbica”.

 

Pois temo que de tanto buzinar e comunicar é que estejamos a nos trumbicar.

A internet, sem dúvida, é um prodígio que estabeleceu novo paradigma no acesso às informações e na comunicação, concretizando a ideia da “aldeia global” prevista por McLuhan. Creio mesmo que as redes sociais caminham para se tornar — se já não o são — o quinto poder. Aqueles que não permanecem 24 horas no espaço virtual dessa aldeia estão fora do mundo civilizado, são os novos bárbaros.

Não nos perguntam o nome ou onde moramos, mas sim qual o nosso e-mail. Não somos convidados para uma visita, um almoço ou jantar na casa de alguém, para tomar um café, comer bolinhos de chuva ou pão de queijo e conversar despreocupadamente, mas para frequentar uma sala de bate-papo ou trocar mensagens on line.

— Você tem Facebook, Instagram, WhatsApp, Twitter (atual X), TikTok?

— Quantos amigos e seguidores você tem?

Recebo diariamente diversos convites para ser amigo virtual de pessoas que não conheço ou de que não me lembro, algumas das quais talvez sejam muito interessantes e pudessem ser minhas amigas “reais”.

Bem verdade que fiz ótimos amigos pela internet, mas não me apraz ser amigo apenas de uma fotografia ou imagem e com ela me relacionar pela tela de um monitor. Nada como a presença física, o confronto do abraço, o afago do olhar, o agasalho da voz, a luz do sorriso.

O que me preocupa e incomoda, entretanto, é haver cada vez menos espaço e tempo para o recolhimento.

É preciso falar, dizer ao mundo o que fazemos a cada instante, o que pensamos sobre tudo e sobre todos, o que comemos e bebemos, comunicar onde estamos e para aonde vamos. Ainda que seja ao banheiro.

E, no entanto, não há nada mais íntimo e generoso do que a partilha comum do silêncio, de que apenas são capazes aqueles que verdadeiramente se amam e se entendem.

* Promotor de Justiça aposentado, advogado, professor de Direito e escritor

 

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