André Luiz da Silva *
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Talvez em razão da aproximação do dia 20 de novembro, a história, por vezes ofuscada, de Nilo Procópio Peçanha (1867–1924) voltou a circular nas redes sociais. Muitos desconheciam que o advogado fluminense se tornou o primeiro e único presidente negro do Brasil, governando entre 1909 e 1910, após a morte de Afonso Pena. Sua carreira foi ampla: deputado, senador, ministro das Relações Exteriores e presidente do estado do Rio de Janeiro.
Embora breve, seu governo revelou sensibilidade social e educacional. Criou o Serviço de Proteção ao Índio, origem da Funai, e inaugurou as escolas de aprendizes e artífices, embrião da atual Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. Paralelamente, teve forte atuação na Maçonaria, chegando ao posto de Grão-Mestre Geral do Grande Oriente do Brasil.
Entretanto, sua imagem foi marcada pelo racismo estrutural da época. Seu casamento com Anita Castro Belisário, de família aristocrática, gerou escândalo, e fotografias oficiais chegaram a ser retocadas para suavizar seus traços negros — um doloroso exemplo de “branqueamento” imposto como estratégia de sobrevivência política.
O resgate de sua memória dialoga com o estudo “Lideranças Negras no Estado Brasileiro (1995–2024)”, realizado pela Fundação Lemann, Imaginable Futures e Afro-Cebrap. A pesquisa mapeia trajetórias de profissionais negros em posições decisórias do governo federal. O perfil predominante é o de líderes altamente qualificados, muitos formados em universidades públicas e com pós-graduação.
O levantamento mostra crescimento na presença de negros e indígenas em cargos de liderança nos últimos 25 anos. Contudo, persistem obstáculos para alcançar postos de maior poder e influência. A sub-representação continua evidente, especialmente em níveis estratégicos.
Para enfrentar essa desigualdade, o estudo propõe ações estruturantes: monitoramento contínuo da presença negra no serviço público; políticas de recrutamento e visibilidade; investimento em formação de lideranças em áreas estratégicas; cursos de letramento racial; aperfeiçoamento das normas de igualdade racial; boletins sobre a aplicação de políticas afirmativas; incentivo à pesquisa; promoção de boas práticas institucionais; e fortalecimento de assessorias de diversidade.
Ao confrontar o passado de Nilo Peçanha — obrigado a “clarear” a própria imagem para exercer poder — com o presente da administração pública federal, surge um chamado à reflexão sobre o cenário local. Nas prefeituras e governos estaduais, quantos negros ocupam postos de liderança?Estão em posições estratégicas? Suas trajetórias são reconhecidas ou, simbolicamente, também “branqueadas” para se adequar a padrões hegemônicos?
É imprescindível questionar o acesso à ascensão: quantos servidores negros, mesmo após anos de dedicação, chegam a cargos como Secretário, Diretor ou Superintendente? Entre as nomeações políticas que mudam a cada mandato, quantos são negros — e quantos permanecem?
Embora a pluralidade seja promessa recorrente, a prática muitas vezes se distancia do discurso. A esperança não se limita a que o Brasil tenha novamente um presidente negro; ela reside na construção de um Estado em que, nas autarquias, secretarias, empresas públicas, fundações e superintendências, o profissional negro seja plenamente respeitado, valorizado e impulsionado, com seu talento reconhecido como parte essencial da construção do poder decisório no país.
* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista

