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Advocacia e a paixão incurável pela Justiça 

Foto: Arquivo

André Luiz da Silva *
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Segundo levantamentos recentes, a percepção da população brasileira aponta os dez maiores entraves que afligem o país: economia, violência, corrupção, saúde, morosidade do Judiciário/impunidade, desigualdade social, educação, fome e pobreza, infraestrutura e meio ambiente. Pois bem. Em todos esses desafios — absolutamente todos — há, de forma direta ou tangencial, a atuação do advogado, este operador do Direito que, mesmo diante de um cenário muitas vezes adverso, não esmorece em sua missão de zelar pela ordem jurídica e pela concretização da justiça.

Não causa surpresa, portanto, que o Brasil conte hoje com mais de 1,55 milhão de profissionais inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil — número que supera, com folga, o de médicos em atividade. Isso porque todas as relações humanas, mais cedo ou mais tarde, acabam por desembocar em algum grau de normatividade. Onde há sociedade, há conflito. Onde há conflito, deve haver mediação. E onde há mediação, é imprescindível a presença do advogado.

Ao empunhar a carteira vermelha da OAB, cada profissional assume o compromisso solene — quase sacerdotal — de exercer a advocacia com dignidade e independência, de não transigir com a ética, de observar suas prerrogativas, e de defender a Constituição da República, o Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social e o aprimoramento das instituições jurídicas. Trata-se de um múnus público, embora exercido na esfera privada.

Nosso patrono, Santo Ivo, é símbolo dessa luta diária. Conta a tradição que teria sido autor do conhecido Decálogo do Advogado, no qual se lê que, antes de ingressar em juízo, o causídico deve invocar o auxílio divino, pois Deus é o primeiro protetor da justiça. Mais que isso: não deve aceitar causas injustas, não deve onerar desproporcionalmente o cliente, e deve amar a verdade, a justiça e a honradez como se ama a menina dos olhos.

A história do Direito brasileiro é fértil em figuras que dignificaram nossa profissão. Lembro de Clóvis Beviláqua, o notável civilista; de Luiz Gama, símbolo maior da advocacia abolicionista; de Rui Barbosa, o Águia de Haia; de Heráclito Sobral Pinto, defensor de presos políticos nos porões da ditadura. E não posso deixar de citar Myrthes Gomes de Campos, primeira mulher a exercer a advocacia no país; Auri Moura Costa, a primeira desembargadora que também foi a primeira mulher a ingressar na magistratura e Esperança Garcia, cuja carta de 1770 ressoa como um verdadeiro habeas corpus inaugural em favor da dignidade humana.

Entretanto, para além dos grandes nomes, há um exército silencioso de advogadas e advogados anônimos, que, nas comarcas distantes, nos plantões judiciais, nas audiências exaustivas, seguem enfrentando a chaga da morosidade judicial, os obstáculos do acesso à justiça e as reiteradas tentativas de supressão de suas prerrogativas.

Ora, quando o cidadão elege a lentidão da Justiça e a impunidade como males prioritários, é sinal de que o Estado-Juiz, em alguma medida, vem falhando. E é preciso lembrar que as leis não brotam do acaso: são elaboradas por parlamentares eleitos, muitos dos quais bacharéis em Direito. Ainda assim, assistimos à escalada de normas flagrantemente inconstitucionais e a tentativas de desfiguração dos princípios estruturantes da Carta de 1988.

Vivemos, infelizmente, tempos de retórica inflamada, em que se utiliza o verniz do patriotismo para justificar o arbítrio, a desinformação e a ruptura institucional. É o chamado “discurso travestido de moralidade”, que busca corroer o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa — cláusulas pétreas que constituem o verdadeiro coração pulsante da Justiça.

Como advogado — e como idealista — creio firmemente que a advocacia não pode se calar. Somos sentinelas da Constituição. Que o exemplo de Santo Ivo continue a nos guiar, para que jamais nos curvemos diante das injustiças, por mais árduo que seja o combate.

Santo Ivo, rogai por nós. E que nunca nos falte coragem.

* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista 

 

 

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