Isabella Nogueira Bittar de Castilho Barbosa *
Na última semana, alertas meteorológicos sobre baixa umidade chegaram aos celulares dos ribeirão-pretanos. Esse desconforto temporário, porém, empalidece diante das projeções de um estudo científico recém-publicado na revista Environmental Monitoring and Assessment.
A pesquisa “Impactos das mudanças climáticas nas águas subterrâneas: um desafio crescente para a sustentabilidade dos recursos hídricos no Brasil”, conduzida por pesquisadores da Universidade de São Paulo sob coordenação do professor Ricardo Hirata, traz evidências alarmantes sobre os impactos das mudanças climáticas nos recursos hídricos subterrâneos brasileiros, que vão muito além de qualquer desconforto temporário causado por baixa umidade.
Para Ribeirão Preto, que depende totalmente das águas do Sistema Aquífero Guarani (SAG) para abastecer sua população, essa pesquisa representa um verdadeiro “alerta vermelho”. O estudo analisou como as mudanças climáticas afetarão diversos aquíferos brasileiros até o ano de 2100, utilizando diferentes cenários baseados em modelos científicos avançados.
No caso específico do Aquífero Guarani, a pesquisa revela que sua recarga natural – isto é, o processo pelo qual a água da chuva infiltra no solo e reabastece as reservas subterrâneas – poderá diminuir drasticamente. No cenário mais preocupante, essa redução chegaria a 21% até o final do século, comprometendo significativamente a disponibilidade de água.
Para contextualizar a magnitude desses números: uma redução de 15-20% na recarga do aquífero equivale a comprometer o abastecimento de centenas de milhares de pessoas, considerando que Ribeirão Preto e região metropolitana somam mais de 1,5 milhão de habitantes dependentes exclusivamente dessas águas subterrâneas.
A situação de Ribeirão Preto apresenta características que amplificam sua vulnerabilidade às mudanças climáticas identificadas no estudo. No município coexistem dois fatores críticos: dependência absoluta das águas do SAG e presença de importantes zonas de recarga do aquífero.
As zonas de recarga são áreas onde a água da chuva infiltra no solo e alimenta o aquífero subterrâneo. Em Ribeirão Preto, essas áreas – principalmente na zona leste – funcionam como “válvulas de entrada” para o sistema hídrico subterrâneo. O estudo de Hirata e colaboradores indica que o aumento de temperatura (projetado entre 1,5°C e 3,6°C até 2100) e as alterações nos padrões de precipitação comprometerão diretamente a capacidade dessas zonas de recarregar o aquífero.
O estudo demonstra que regiões do interior paulista, onde se localiza Ribeirão Preto, experimentarão aumento na frequência de períodos sem precipitação. Dados meteorológicos locais já corroboram essas tendências: Ribeirão Preto tem registrado, nos últimos anos, períodos de estiagem mais prolongados e intensos, com impactos diretos na recarga do Aquífero Guarani.
A diferença é que esses padrões climáticos extremos, que hoje são eventuais, podem se tornar a nova normalidade. Zonas de recarga, como a Zona Leste, representam um patrimônio hídrico de valor inestimável para a segurança hídrica. O estudo científico enfatiza que a proteção dessas zonas se torna ainda mais crítica sob cenários de mudanças climáticas.
A urbanização descontrolada, a impermeabilização do solo e as alterações no uso da terra nessas áreas podem amplificar drasticamente os impactos negativos das mudanças climáticas na disponibilidade hídrica. A pesquisa não apenas identifica problemas, mas sugere caminhos para enfrentá-los.
Os autores recomendam implementação de estratégias de recarga artificial como alternativa promissora para mitigar os impactos das mudanças climáticas. Para Ribeirão Preto, isso poderia significar a construção de sistemas que captem água da chuva em períodos de precipitação intensa e a direcionem para infiltração controlada nas zonas de recarga.
A articulação regional para gestão integrada dos recursos hídricos também é de extrema importância, considerando que o SAG é compartilhado por múltiplos municípios e estados. A ciência forneceu o diagnóstico. Cabe agora aos gestores públicos, sociedade civil e setor privado traduzirem conhecimento científico em políticas públicas efetivas, antes que os alertas no celular se transformem em racionamento de água nas torneiras de casa. Este artigo baseia-se no estudo
“Climate change impacts on groundwater: a growing challenge for water resources sustainability in Brazil”, publicado na revista Environmental Monitoring and Assessment (2025), coordenado pelo professor Ricardo Hirata do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas da Universidade de São Paulo.
*Vice-presidente da Soderma, doutoranda da Unicamp, pesquisadora no Pro-SAG e AquaGeo
(Soderma – Instagram: @soderma_rp)

