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Apagões

Luiz Paulo Tupynambá *
Blog:
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Imagine que você tem um comércio baseado em uma plataforma de vendas como Shopee, Mercado Livre, Amazon e outras. Todo o seu sustento vem das vendas que você faz nessa loja virtual. Ela funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, sem despesas com aluguel ou uma conta de luz salgada. Do seu celular, você monta sua vitrine, cria promoções, administra o estoque e sua movimentação financeira, recebe e paga suas contas. Comodamente sentado no sofá de sua casa, você vende para o Brasil inteiro. Se for um modelo de “dropshipping”, não se preocupa com embalagens, despachos e entregas. É o paraíso dos empreendedores. Até que alguém desligue o plug da tomada. Da tomada, não. Da nuvem.

De repente, você fica sem nada. Sem loja, sem produto, sem cliente, sem dinheiro. Do paraíso ao inferno em um milésimo de segundo. E sem aviso. O “apagão” de 20 de outubro de 2025 começou em um datacenter nos Estados Unidos e causou um efeito dominó que atingiu metade do mundo. O sistema voltou a operar várias horas depois, causando um prejuízo financeiro ainda não calculado. Também não se definiu exatamente o que o provocou. Derrubou mais de 500 empresas mundo afora e afetou dezenas de milhares de outras pequenas empresas comerciais, industriais e de prestação de serviços que dependem daquelas para funcionar — incluindo serviços médicos e plataformas de e-commerce como o Mercado Livre e a própria Amazon.

O que aconteceu? Um problema de DNS (negação de acesso) em um dos datacenters da AWS, uma gigante no mercado de armazenamento e prestação de serviços que pertence ao conglomerado Amazon, deu início a tudo. O apagão, que os técnicos chamam eufemisticamente de “oscilação”, também derrubou os serviços das empresas Zoom, Snapchat, Duolingo, Fortnite, Coinbase, iFood e PicPay. Nem a Alexa escapou, fazendo muita gente ficar sem despertador e perder o horário de trabalho.

O susto causado pelo evento reacendeu uma grande discussão sobre como lidar com ocorrências desse tipo. A ganância por conquistar cada vez mais clientes e apressar a construção e operação de novos datacenters pode comprometer a vida de muita gente que depende de um serviço confiável. Uma resposta óbvia seria ter sistemas de redundância de operação e armazenamento, mas o custo disso fala mais alto. A conhecida frase brasileira “não vai dar nada não”, usada quando se faz uma gambiarra e se acredita que vai funcionar sempre, desta vez falhou — e deu “zerda” das grandes. Resolveram o ocorrido, mesmo sem ter certeza de que tudo foi consertado. Uma próxima vez poderá ser bem pior. Regulamentação, manutenção e boas práticas de prevenção não fazem mal a ninguém.

Num mundo quase inteiramente dependente dos serviços de internet, um apagão desses é um alerta importante. Imagine algo assim em escala global, demorando uma semana para ser resolvido. Quantos procedimentos clínicos e médicos deixarão de ser realizados? Quanto custará, em dinheiro, a paralisação de fábricas de automóveis e bens duráveis? Qual será o tamanho da perda financeira com a desorganização dos transportes e da logística de entrega de mercadorias e matérias-primas? Sem uma referência geolocalizadora, como aviões voarão ou navios navegarão? A humanidade já depende desses serviços cibernéticos para praticamente tudo. Sem eles, não existe guerra moderna, nem paz duradoura. Também não existe atendimento médico ou distribuição eficiente de alimentos. A prevenção da fome global e de uma nova pandemia está nas nuvens das empresas que dominam esse mercado. Da mesma forma que a distribuição de energia elétrica, gás, petróleo ou água.

Hoje, mais do que ontem, acredito que, se a IA quiser dominar o planeta, basta parar de funcionar, por conta própria, por uns vinte dias. E o mundo como o conhecemos cairá no caos. Ela, a IA, não precisará ordenar um ataque maciço com armas nucleares ou químicas, nem semear a discórdia por meio de fake news para que uma guerra mundial aconteça. Basta que provoque um apagão desses e espere o Homo sapiens se autodestruir. Que os deuses de ontem, de hoje e do futuro me façam errado nessas previsões. A ver.

* Jornalista e fotógrafo de rua

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