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As ferrovias que moldaram o nordeste paulista  

Em uma época em que o transporte rodoviário ainda era precário ou inexistente, linhas de trem ofereciam a ligação vital entre as fazendas de café e os grandes centros urbanos e portuários (Alfredo Risk)

Lúcio Mendes 

Durante décadas, os trilhos das estradas de ferro foram os grandes vetores de desenvolvimento para o interior do Estado de São Paulo. Em especial nas regiões Nordeste e Noroeste, linhas férreas conectaram cidades, impulsionaram economias e redefiniram a geografia do progresso, tendo como epicentro a pujante Ribeirão Preto. A cidade, que despontava como capital nacional do café no final do século XIX e início do século XX, viu sua riqueza e influência se expandirem graças à logística facilitada pelas ferrovias. 

Companhias ferroviárias, como a Mogiana e a São Paulo e Minas, foram protagonistas dessa transformação. Em uma época em que o transporte rodoviário ainda era precário ou inexistente, essas linhas de trem ofereciam a ligação vital entre as fazendas de café e os grandes centros urbanos e portuários, como Santos. As locomotivas a vapor cruzavam serras, cortavam cafezais e davam vida a cidades que nasciam ou cresciam ao redor das estações. 

Mogiana, a ferrovia que acelerava o progresso – A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, fundada em 1872, tornou-se uma das mais importantes do estado, com uma malha que cobria mais de mil quilômetros e passava por dezenas de cidades. Ribeirão Preto, uma das joias dessa rede, consolidou sua vocação agrícola e comercial justamente pela facilidade de escoamento da produção cafeeira. A ferrovia encurtava distâncias, reduzia custos e acelerava o ritmo do progresso. Foi a ferrovia que transformou produtores locais em exportadores internacionais e que aproximou o interior do litoral, onde os grãos embarcavam para a Europa. 

Do outro lado, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo e Minas também teve papel decisivo na integração de pequenas localidades aos grandes corredores econômicos. Embora de menor abrangência que a Mogiana, a São Paulo e Minas cumpriu função estratégica na ligação de áreas de difícil acesso, sendo crucial para o desenvolvimento de cidades como Cássia dos Coqueiros e São Joaquim da Barra. 

O declínio das locomotivas – Porém, o apogeu das ferrovias começou a ruir no Brasil a partir da segunda metade do século XX. O incentivo governamental à construção de rodovias, a ascensão do transporte por caminhões e a política de desenvolvimento industrial voltada para o automóvel enfraqueceram o sistema ferroviário. Os investimentos nas estradas de ferro minguaram, trechos foram desativados, estações caíram no abandono e o transporte de passageiros quase desapareceu. Restaram os trens de carga, responsáveis ainda hoje por movimentar principalmente commodities como soja, açúcar e minério de ferro, mas que percorrem uma malha ferroviária deficitária e muitas vezes obsoleta. 

Nas regiões Nordeste e Noroeste de São Paulo, o cenário atual é o de um passado soterrado sob os trilhos enferrujados. A presença das antigas companhias se faz visível apenas nas estações desativadas, algumas restauradas como patrimônio histórico, outras convertidas em centros culturais ou abandonadas à própria sorte. Ribeirão Preto, que já foi um dos maiores entroncamentos ferroviários da Mogiana, hoje vê seus trilhos servirem basicamente ao transporte de cargas, sem qualquer expectativa de retomada do transporte de passageiros de forma significativa. 

O espectro das ferrovias permanece presente na memória afetiva dos moradores mais antigos. Muitos ainda recordam as viagens de infância nos vagões de madeira, o apito do trem ecoando pelos campos, o vaivém constante de passageiros e mercadorias. É uma lembrança que mistura nostalgia e frustração, diante de um sistema que foi sendo lentamente desmontado, sem que houvesse um projeto claro de substituição à altura. 

A discussão sobre a reativação de trechos ferroviários para transporte de passageiros voltou ao debate público nos últimos anos, impulsionada pela busca por modais mais sustentáveis e eficientes. Projetos de trens intercidades têm sido anunciados, mas enfrentam entraves políticos, econômicos e logísticos. Enquanto isso, os caminhões seguem predominando nas estradas, com alto custo ambiental, manutenção cara e alto índice de acidentes. 

O legado – O legado das ferrovias no interior paulista é inegável. Elas foram mais que meios de transporte: foram símbolos de um Brasil que se modernizava sobre trilhos, construindo cidades, interligando regiões e transformando o campo. A história de desenvolvimento de Ribeirão Preto, por exemplo, não pode ser contada sem os vagões da Mogiana e seus ramais que cruzavam cafezais e conectavam o interior ao mundo. 

Hoje, cabe à sociedade e ao poder público decidir o papel que os trilhos terão no futuro. Se serão apenas relíquias de um tempo glorioso, conservadas em museus e estações restauradas, ou se voltarão a ser parte do cotidiano das cidades, como alternativa real de mobilidade. O trem, que já foi sinônimo de progresso, ainda pode reencontrar seu caminho…Basta que os trilhos da vontade política e do planejamento encontrem o mesmo rumo. 

 

 

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