Tribuna Ribeirão
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As mães não deveriam morrer

Rodrigo Gasparini Franco *


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Recentemente, perdi não apenas uma mãe, mas também uma companheira, uma amiga e uma confidente. Perdi o elo invisível que sustentava minha rotina, a presença que dava sentido aos meus dias.

Perdi a mulher que me ensinou a enfrentar a vida — sempre pronta a ouvir, aconselhar, rir, brincar e compartilhar os pequenos prazeres que só reconhecemos como preciosos quando já não podem mais se repetir.

A saudade se revela nos detalhes mais simples. Todos os dias, como de costume, eu preparava dois cafés — um para mim e outro para você. Hoje, no silêncio, sua ausência se torna ainda mais evidente.

Recordo um texto de Leonardo Boff em que ele fala sobre o “sacramento do último toco de cigarro do pai”: havia naquele gesto banal uma dimensão sagrada, um rito de memória e presença. Assim também é com o café — a xícara que sobra na pia não é apenas louça vazia, mas testemunho do que fomos, um altar silencioso do amor que permanece.

O café, antes partilhado, tornou-se símbolo de uma saudade viva e pungente.

Sua ausência também ecoa nas vozes que me cercam. Lembro o chamado cheio de vida de seu neto, nas manhãs de domingo:

“Vó, acorda! Vamos ao clube!” Era um convite leve, carregado de expectativa infantil, que se transformava em riso e alegria ao vê-la sorrir. Hoje, a cena retorna à memória, mas o riso já não pode se repetir.

Penso em seus hábitos, que moldavam sua personalidade única. Você nunca perdia um episódio de suas séries favoritas; era como se a TV ganhasse um brilho especial quando a trama começava.

Por alguns instantes, até o peso da doença parecia se dissolver no enredo. Havia também aqueles momentos simples em que parávamos numa loja de conveniência para tomar cappuccino e comer pão de queijo — pequenos prazeres que preenchiam a vida de alegria inteira.

Mas compreendi que não se tratava apenas do café ou da comida: o verdadeiro prazer estava em estar comigo, presente no instante, praticando seu “carpe diem” singular e mostrando que viver é, sobretudo, acolher a beleza das coisas mais corriqueiras.

Recordo ainda nossa última visita à Livraria da Travessa. Seus olhos brilhavam diante das prateleiras, e você falava com entusiasmo dos autores que amava — Agatha Christie, Sidney Sheldon, entre tantos outros — até ser interrompida pelo abraço caloroso de seu neto. Depois, fomos à exposição dos dinossauros, tiramos fotos, e seu sorriso parecia conter uma alegria eterna, como se o tempo tivesse parado ali.

Sempre acreditei que, inspirado pela filosofia estóica, eu seria resiliente diante das perdas e dores. Mas, assim como Marco Aurélio chorou a morte de seu mestre Cornélio Frontão, quando todos esperavam dele impassibilidade, aprendi que nem a filosofia nem o poder anulam os sentimentos. Alguém próximo ao imperador teria dito:

“Deixai-o, que seja homem!” O choro, afinal, não o fazia menos sábio, mas mais humano. Também me permito chorar sua ausência neste plano, pois compreendo que o verdadeiro estoicismo não é negar a dor, mas aprender a conviver com ela.

Ainda assim, reconheço que, diante de tudo o que você enfrentou, minha resiliência sempre foi superficial. A verdadeira fortaleza sempre foi você. Lutou contra a doença com coragem inabalável, sem jamais se render ao desespero.

Mesmo nos dias mais difíceis, erguia a cabeça e seguia firme. Sua força não residia apenas em suportar a dor, mas em manter vivo o brilho no olhar diante das pequenas coisas: o café compartilhado, as séries de TV, os momentos únicos com os netos. Sêneca dizia: “o infortúnio contínuo tem uma bênção: acaba por endurecer aqueles a quem constantemente aflige.”

Você, no entanto, mostrou algo maior: que resistir também é preservar o encanto pela vida.

Agora, cada lembrança se mistura ao vazio que me envolve: o silêncio do lar, o teclado, agora mudo, com suas teclas intocadas, a xícara esquecida no canto da pia, os livros fechados com suas páginas marcadas, a pipoca única que só você sabia fazer, a poltrona diante da TV, o travesseiro, intocado, ainda no mesmo lugar de sua cama.

Mas, nesse silêncio, também habita sua presença, pois ela continua viva em mim.

Obrigado por me ensinar a amar, a respeitar e, sobretudo, a perseverar. Obrigado por mostrar que a vida, mesmo marcada pela dor, pode ser vivida intensamente e com ternura.

Mãe, a dor da saudade é imensa.

Como disse certa vez a jornalista Eliane Brum, as mães não deveriam morrer. Para manter vivos nossos encontros de antes, seguirei com o nosso ritual. Todos os dias, continuarei preparando dois cafés — um para mim e outro para você — na esperança de que, de alguma forma, um dia você retorne.

* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)

 

 

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