Tribuna Ribeirão
Educação

As próximas lições da Educação Municipal 

O secretário municipal da Educação de Ribeirão Preto, o professor Valdir Martins, comanda de uma Rede composta por 146 unidades escolares, 50 mil alunos e cerca 4 mil professores. Ex-diretor da Universidade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, possui pós-doutorado em Administração Pública e Governo e tem muitos desafios a vencer na gestão da educação municipal. Dois deles, criar vagas em creches para 1.598 crianças que aguardam na fila de espera e disponibilizar professores auxiliares, em sala de aula, para o auxílio de estudantes com algum tipo de deficiência intelectual  

Ao Tribuna Ribeirão, Martins afirmou que a administração municipal está trabalhando na construção de novas unidades escolares e na ampliação da capacidade de outras já existentes. Medidas, que segundo ele, irão contribuir diretamente para atender à demanda reprimida.  

 

Tribuna Ribeirão – O senhor está há nove meses à frente da Secretaria Municipal de Educação. Como avalia este período à frente da pasta? 

Valdir Martins – Os nove primeiros meses de gestão foram um período de muita superação, que exigiu resiliência, criatividade e persistência por parte de toda a comunidade da Educação. Foi um momento de inflexão nos rumos da pasta, que buscou solucionar situações inéditas, restabelecer os canais de comunicação com todos os interlocutores, valorizar os profissionais e fortalecer a gestão democrática. É um caminho longo, mas acredito que conseguimos avançar em muitos aspectos e construímos pilares para o desenvolvimento da Educação que Ribeirão Preto merece. 

 

Tribuna Ribeirão – Quais foram os principais problemas e desafios que o senhor encontrou na Rede Municipal de Educação? 

Valdir Martins – Encontramos uma rede com graves passivos estruturais e funcionais, muitos deles acumulados ao longo de décadas. De um lado, havia escolas sem licenciamento sanitário, habite-se, infraestrutura precária, contratos essenciais em atraso e um orçamento herdado da gestão anterior com verba insuficiente até mesmo para garantir o pagamento de salários, quanto mais para realizar as melhorias necessárias. 

De outro, identificamos sérios desafios de gestão de pessoas: alto índice de ausências, carência de profissionais tanto na Secretaria quanto nas unidades escolares, e uma Educação Especial completamente judicializada por inoperância da Administração. Além disso, tivemos de lidar com a urgência de reestruturar a jornada docente, após decisão judicial que declarou inconstitucional o modelo vigente. Também havia fragilidades em aspectos pedagógicos e institucionais, a desarticulação do currículo em relação às avaliações externas, a ausência de planejamento territorial para a distribuição de vagas, a falta de integração entre os setores e a inexistência ou inoperância de canais de comunicação com a comunidade escolar. Os conselhos e instâncias participativas, fundamentais para a democracia educacional, estavam  

Diante desse quadro, nossa missão não é apenas administrar rotinas, mas refundar os pilares da política educacional do município, garantindo segurança jurídica, valorização profissional e, sobretudo, o direito de cada estudante de Ribeirão Preto a uma educação pública de qualidade. Estamos, de fato, reinventando a Secretaria Municipal da Educação, pois não é aceitável que a educação de uma cidade do porte de Ribeirão esteja em situação tão frágil. 

 

Tribuna Ribeirão – Os familiares de estudantes com algum tipo de deficiência intelectual acusam, inclusive na Justiça, a Rede Municipal de não disponibilizar professores auxiliares para seus filhos em sala de aula. Como isto está sendo resolvido? 

Valdir Martins – Reconhecemos a preocupação das famílias, e temos avançado de forma estruturada para superar essa fragilidade histórica. Está em andamento um processo licitatório para a ampliação de 50% no número de profissionais de apoio pedagógico, o que vai fortalecer o acompanhamento dos estudantes com deficiência e garantir que eles tenham condições reais de aprendizagem e inclusão em sala de aula. No entanto, é fundamental destacar que esse novo modelo está sendo construído para ser sustentável e efetivo: ele permitirá ampliar a cobertura, garantir reposição rápida em casos de afastamento e assegurar que o apoio pedagógico seja exercido por profissionais capacitados para essa função, sempre em complementaridade ao professor regente. 

Esse ponto é essencial. O trabalho com o aluno com deficiência é, por natureza, multidisciplinar e envolve toda a cadeia de profissionais da escola: o professor regente, o coordenador pedagógico, o gestor escolar e os profissionais do Atendimento Educacional Especializado (AEE).  

Nossa proposta é consolidar uma política que evite qualquer forma de estigmatização e que transforme o apoio pedagógico em uma ponte para a autonomia do estudante. Queremos que cada aluno desenvolva suas potencialidades de forma plena, com acompanhamento técnico qualificado e integração entre todas as áreas envolvidas. 

O objetivo é alcançar efetividade real na política educacional voltada aos estudantes com deficiência e os com altas habilidades – superdotação -, assegurando que cada escola seja um espaço de inclusão, desenvolvimento e autonomia. Nossa meta é que cada estudante seja visto em sua singularidade, com apoios proporcionais às suas necessidades, e que o caminho da inclusão leve, cada vez mais, à independência e à participação plena na vida escolar e social. 

 

Tribuna Ribeirão – Um dos grandes gargalos da Rede Municipal é a falta de vagas em creches que resultaram em ações judiciais e multas pelo não oferecimento delas. Como o senhor tem atuado em relação a essas penalizações e para oferecer mais vagas? 

Valdir Martins – Ribeirão Preto é uma cidade grande, em constante expansão, e isso cria novas demandas todos os anos. Além disso, estudos apontam que, diariamente, há 19 novos nascimentos, são cerca de 7 mil por ano. Uma demanda contínua.  

Hoje enfrentamos um cenário desafiador: de um lado, existe fila de espera em algumas regiões; de outro, há um número expressivo de vagas ociosas. O problema não é apenas de quantidade, mas de conexão entre a vaga e a demanda. Muitas vezes, por falta de planejamento territorial, olhou-se para o problema errado. Nosso esforço inicial foi compreender com profundidade esse cenário, para propor soluções consistentes e sustentáveis. 

Duas questões são centrais nos serviços públicos: demografia e tempo. A cidade cresce e se expande, surgem novos bairros e, com eles, novas necessidades. Mas a cidade também envelhece: regiões que hoje precisam de creches, daqui a poucos anos precisarão de escolas de ensino fundamental. Essa dinâmica explica por que podemos ter fila em uma ponta e ociosidade em outra. 

Nossa atuação está organizada em duas frentes: de imediato, temos buscado reduzir os passivos herdados, respondendo às determinações judiciais e reordenando o uso das vagas já disponíveis. Em paralelo, estamos desenhando um planejamento de médio e longo prazo que leve em conta a demografia, a expansão urbana e a transição natural das demandas educacionais. Só assim poderemos transformar as decisões judiciais e multas, que hoje são respostas emergenciais, em uma política pública de atendimento estruturado, justa e sustentável ao longo do tempo. 

 

Tribuna Ribeirão – Em relação a novas tecnologias digitais, como a Secretaria tem feito para disponibilizá-las para todos os estudantes? 

Valdir Martins – Hoje, todas as escolas da rede municipal estão conectadas por fibra ótica, superando outro gargalo histórico: até pouco tempo atrás, muitas ainda dependiam de conexão via rádio, o que comprometia a qualidade da internet. Esse avanço garante uma base sólida, mas sabemos que infraestrutura e equipamentos são apenas a camada mais elementar da pirâmide digital. 

Nesse sentido, editamos a Resolução SME nº 16, de 9 de setembro de 2025, que instituiu um grupo de trabalho para elaborar o Plano Municipal de Educação Digital com o objetivo é articular conectividade, formação de professores, metodologias inovadoras e recursos digitais, para que a tecnologia se torne um verdadeiro instrumento de aprendizagem. 

Já contamos com conquistas importantes: 500 salas de aula estão equipadas com computador, projetor e sistema de som; todas as escolas municipais de Ensino Fundamental têm laboratório de informática com um computador por aluno; cada unidade conta com lousa digital destinada ao uso do docente; e todas dispõem de internet por fibra ótica com velocidade de 1 Gb,  

 

Tribuna Ribeirão – Em sua avaliação, a proibição do uso do celular pelos alunos ajudou no desempenho escolar? 

Valdir Martins – A proibição do uso de celulares em sala de aula é muito recente. A Lei Federal nº 15.100, de fevereiro de 2025, ainda não nos permite tirar conclusões sólidas sobre impactos diretos em indicadores de desempenho escolar. O que temos até agora é uma percepção bastante clara: a medida tem contribuído para que os estudantes, durante o tempo em que estão na escola, tenham maior foco, convivência mais plena com os colegas e atenção mais efetiva às aulas. 

Sabemos que o celular é uma ferramenta importante, seja para comunicação, pesquisa ou estudo. Mas também é inegável que ele é um grande competidor da atenção dos alunos, dispersando o foco das atividades pedagógicas. A intenção da lei e da rede municipal não é restringir a tecnologia, mas regular seu uso no espaço escolar, de forma que a escola seja um ambiente prioritário de aprendizagem, convivência e desenvolvimento. 

O passo seguinte é justamente pensar em como integrar, de maneira equilibrada e planejada, os recursos digitais no cotidiano escolar, dentro de projetos pedagógicos estruturados, como o nosso Plano Municipal de Educação Digital.  

 

Tribuna Ribeirão – Como melhorar o desempenho do município em levantamentos como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica? 

Valdir Martins – A melhoria dos índices da educação básica depende de um novo olhar, uma nova lógica: garantir professores em sala de aula, assegurar um currículo consistente e atualizado, oferecer condições adequadas de aprendizagem por meio da melhoria da infraestrutura e investir em formação continuada. 

Além disso, estamos implementando um monitoramento integral da rede municipal de ensino, utilizando os dados como um verdadeiro GPS para a gestão. Isso significa acompanhar de perto os indicadores de cada escola, de cada turma, identificar pontos de atenção e corrigir a rota sempre que necessário. Para isso, estamos estruturando planos de ação individualizados para cada escola, entendendo os desafios de cada comunidade escolar. Planos genéricos não trazem efetividade. 

O avanço nos índices educacionais de Ribeirão Preto será fruto desse esforço integrado, que une gestão pedagógica, com diagnóstico de rede, valorização profissional, infraestrutura e uso inteligente de dados, com ações em conjunto para melhorar os resultados. Esse é o caminho para garantir que nossos estudantes aprendam mais e melhor, e que o município ocupe o lugar de destaque que merece nos levantamentos nacionais. 

 

Tribuna Ribeirão – Neste período em que está no comando da secretaria, quais foram os projetos e ações que considera importantes que foram implementados? 

Valdir Martins – Nestes meses à frente da Secretaria da Educação, priorizamos atacar gargalos históricos e estruturar políticas que tragam resultados duradouros. Instituímos a regulamentação das aulas extraordinárias, corrigindo um vazio legislativo que penalizava os profissionais e gerava judicialização. Também avançamos com o Credenciamento Docente, que já permitiu a cobertura de mais de 3 mil aulas apenas no mês de setembro, reduzindo drasticamente os impactos das ausências e garantindo a continuidade do atendimento aos estudantes. 

Estamos executando um programa robusto de infraestrutura escolar, com foco na climatização das unidades e em adequações prediais que assegurem condições dignas de aprendizagem. Herdamos escolas sem equipamentos de ar-condicionado funcionando, e a prioridade é entregar ambientes confortáveis, que impactam diretamente o desempenho dos alunos. 

Criamos um grupo de trabalho para elaborar o Plano Municipal de Educação Digital, que vai projetar a rede para o século XXI, integrando conectividade, formação docente e uso pedagógico da tecnologia. Também adequamos a estrutura do cargo de Gestor Escolar, superando defasagens que comprometiam a gestão das unidades. 

 

Tribuna Ribeirão – Qual o déficit de professores na educação municipal? E o total de docentes? 

Valdir Martins – Quando assumimos, a rede contava com 3.353 docentes, atendendo da creche aos anos finais do Ensino Fundamental. Desde então, realizamos 472 contratações, além das reposições decorrentes de exonerações, rescisões e aposentadorias que não contabilizamos como novas contratações e sim reposições. Conseguimos atribuir todas as aulas, porém, há um déficit contingencial e variável, ligado a afastamentos e ausências de última hora, que atualmente são supridas com professores substitutos. Hoje, operamos com monitoramento diário das necessidades com um total de 3.825 docentes. 

 

Tribuna Ribeirão – O que o levou a aceitar o convite do prefeito Ricardo Silva para ser secretário de Educação?  

Valdir Martins – Foram dois os motivos que me fizeram aceitar o convite do prefeito Ricardo Silva. Em primeiro lugar, contribuir com a proposta de desenvolver uma gestão humana, voltada para a população mais vulnerável com equidade, próxima da comunidade, dos gestores, dos professores e de todos os interlocutores da educação local. Em segundo lugar, minha crença na educação pública como ferramenta de transformação da realidade social e elemento imprescindível na formação da cidadania dos nossos munícipes. 

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