Tribuna Ribeirão
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Biometria violada: o preço da insegurança digital

Rodrigo Gasparini Franco *
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A recente decisão judicial que condenou um grande banco a indenizar uma cliente vítima de golpe por biometria facial reacende o debate sobre segurança digital, responsabilidade das instituições financeiras e vulnerabilidade dos consumidores diante das novas tecnologias de autenticação. O caso, que se soma a tantos outros registrados em diferentes Estados, expõe uma realidade incômoda: a sofisticação dos criminosos virtuais tem encontrado brechas justamente naquilo que deveria representar a maior camada de proteção, a biometria. Mais do que o valor financeiro, o precedente reforça a tese de que o risco das operações bancárias deve recair sobre quem oferece e lucra com o serviço, não sobre o cliente que raramente tem condições técnicas de se defender.

Nos últimos anos, os bancos apostaram no reconhecimento facial, prometendo mais segurança e praticidade nas transações digitais. A narrativa parecia sólida: a biometria utiliza traços únicos, difíceis de reproduzir. Mas a prática revelou outro cenário. Criminosos passaram a empregar técnicas sofisticadas, como imagens manipuladas, vídeos falsos e até ferramentas de inteligência artificial capazes de enganar o sistema. Consumidores que confiavam na barreira tecnológica foram surpreendidos por golpes difíceis de antecipar.

No processo julgado, a cliente descobriu movimentações vultosas em sua conta feitas sem autorização. O banco alegou que todas as operações ocorreram dentro dos padrões de segurança e que seria impossível realizá-las sem a aprovação legítima da titular. A Justiça, no entanto, entendeu de forma diversa. Para os magistrados, é dever do banco garantir o funcionamento confiável do recurso que ele mesmo apresenta como máxima proteção. Se houve falha, a vítima não pode arcar com o prejuízo. O entendimento foi direto: não é aceitável responsabilizar o consumidor por vulnerabilidade fora de seu alcance.

Esse posicionamento reflete uma tendência clara no Judiciário brasileiro. Em anos anteriores, prevalecia a tese de que golpes eletrônicos poderiam configurar fortuito externo, evento inevitável alheio ao controle das instituições. Mas, diante do número crescente de casos e do reconhecimento de que os bancos lucram com a digitalização, a jurisprudência passou a considerar que o risco é inerente à atividade financeira. Trata-se de um negócio que exige confiança absoluta, e a disparidade entre empresas tecnológicas e consumidores leigos reforça o dever de proteção.

O reconhecimento facial, em especial, mostrou a distância entre o discurso e a entrega. A maioria dos clientes sequer imagina que sua identidade biométrica possa ser simulada digitalmente. Para a Justiça, esse desconhecimento reforça a vulnerabilidade do consumidor. Não à toa, tribunais têm condenado instituições a ressarcir valores e indenizar clientes. Ao responsabilizar o banco, decisões como essa reafirmam que o risco da atividade deve permanecer com quem possui mais recursos para prevenir falhas.

Embora os bancos venham reforçando os sistemas com camadas adicionais de autenticação, os golpistas também evoluem. Forma-se uma corrida tecnológica em que cada barreira é logo testada. Nesse contexto, o papel da Justiça é essencial: impor limites, garantir reparações e, sobretudo, deixar claro que a vítima não pode ser transformada em culpada. No caso concreto, além da devolução do valor subtraído, o banco foi condenado a indenizar por danos morais, reconhecendo o abalo emocional provocado pela fraude.

O precedente não resolve a questão, mas aponta uma diretriz firme: os tribunais continuarão responsabilizando os bancos, cobrando deles soluções robustas e amparo efetivo aos clientes. Ao consumidor, resta manter cuidados básicos, como proteger aparelhos e desconfiar de contatos suspeitos, embora muitas vezes isso não seja suficiente. Quando o golpe supera os limites razoáveis de precaução, impor culpa ao cliente é injusto.

Essa postura judicial está em sintonia com o Código de Defesa do Consumidor, que reconhece a fragilidade do cliente diante das grandes instituições. No contexto dos golpes biométricos, a atribuição de responsabilidade ao banco tem caráter pedagógico e protetivo: obriga o setor a investir continuamente em segurança e reafirma que confiar em uma instituição financeira jamais deveria se transformar em risco maior do que enfrentar o próprio golpe.

* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai) 

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