Por Hugo Luque
Muitos fanáticos por futebol jogaram ou até hoje jogam e fantasiam, no videogame, o “modo carreira”, chamado antigamente, em um determinado título, de “Rumo ao Estrelato”. No caso de Calebe, a fantasia deixou os limites de Ribeirão Preto e até mesmo do Brasil para virar sonho na Espanha.
Aos 25 anos, o meio-campista vive sua primeira passagem pelo futebol europeu. Com uma longa passagem pela base do São Paulo e revelado pelo Atlético-MG, Calebe ganhou destaque no Fortaleza antes de ser emprestado, a pedido do técnico argentino Eduardo “Chacho” Coudet, ex-Galo e Internacional, ao Deportivo Alavés. No País Basco, o ribeirão-pretano busca seu espaço com a camisa 20.
“Eu tive um contato com o Chacho, que foi meu treinador no Atlético, e ele falou sobre a possibilidade de ir para o Alavés, de disputar LaLiga, de ter essa oportunidade de vir para a Europa. Depois, meus empresários continuaram as conversas. Essas questões eu tento focar ao máximo naquilo que estou fazendo no momento, que, era pensar no Fortaleza, disputar os jogos, porque tinha Libertadores e Brasileiro. Deixei para meus empresários resolverem. Assim que houvesse algo concreto, eu ficaria sabendo, porque não gosto de me desviar do foco. Sempre fico concentrado naquilo que tenho agora. Com o tempo, as coisas foram caminhando, caminhando… e Deus abriu essa porta, pela qual sou muito grato. É um sonho jogar na Europa.”
O futebol não surgiu por acaso na vida de Calebe. Hoje profissional, o atleta seguiu o exemplo de seu pai, o ex-atacante Jó, que atuou em Ribeirão Preto e defendeu o Botafogo no fim dos anos 90. Apesar de ter nascido na cidade, o filho do antigo jogador do Pantera cresceu em Monte Azul Paulista, a cerca de 100 km de distância. Antes, contudo, conheceu uma cultura diferente na América do Norte.
“Eu nasci em Ribeirão Preto. Meu pai jogava na época no Botafogo. Logo no começo, fomos para o México. Meu pai jogou lá por umas quatro, cinco temporadas e depois voltou para o Brasil. Mas desde pequeno, sempre fui de Monte Azul Paulista. Minha mãe é de lá, parte da família da minha mãe é toda de lá. Meus amigos também são todos de lá, então eu falo que sou monteazulense”, explica.
Como grande parte das crianças brasileiras, Calebe jogava futebol por diversão. O passatempo ficou mais sério aos nove anos, quando o garoto teve a oportunidade de vestir a camisa do São Paulo e dividia períodos no Tricolor e em casa. Ele também atuou, ainda jovem, pelas bases de Inter de Bebedouro, Monte Azul e Olímpia. Mas foi em Cotia (SP) que ele entrou de vez na vida de jogador.
“Pelo São Paulo eu tenho um carinho muito grande. Foi um clube que me formou e me tirou de casa muito jovem. Juntando com a época do meu monitoramento até eu sair do São Paulo, foram dez anos, então sempre vou ter um carinho especial pelo clube. Fiz grandes amizades e ganhei títulos também, com grandes treinadores. Fico feliz de ter me formado no São Paulo, ali em Cotia. (…) Eu agradeço muito a Deus por ter aberto essa porta, que muitos jogadores tentam e sonham em ter: um clube formador como o São Paulo, que é um dos melhores do Brasil, se não for o melhor, pelas estruturas que tem e pela capacidade de formar não só um jogador, mas um homem”, enfatiza.
Profissionalização
O distanciamento geográfico de Calebe para sua região cresceu a cada transferência. Já no sub-20, prestes a completar sua formação nas categorias de base do Tricolor, o meia foi emprestado ao Atlético-MG, onde foi alçado ao profissional por um conhecido técnico argentino, que recentemente voltou ao Galo, e depois acabou adquirido em definitivo.
“A mudança para o Atlético-MG foi um divisor de águas na minha carreira. Fui emprestado em 2019, cresci no sub-20 e logo fui efetivado. Comecei na equipe principal fazendo parte do grupo de sparings (jogadores de treino) do Sampaoli e, com o tempo, fui evoluindo e conquistando meu espaço”, conta.
Em Belo Horizonte (MG), Calebe conheceu a vida em mais uma grande região metropolitana brasileira. Pelo primeiro clube, viveu alguns de seus maiores sonhos: foi campeão brasileiro, da Copa do Brasil, da Supercopa do Brasil e venceu três vezes o Campeonato Mineiro. Acostumado a erguer troféus, o ribeirão-pretano que também se considera monteazulense embarcou em uma nova jornada em seguida e foi vendido ao Fortaleza, em 2023, como a maior contratação da história do clube cearense (R$ 6 milhões).
O emergente Tricolor do Pici depositou suas esperanças no paulista para dar sequência à impressionante ascensão do time desde o início da era Rogério Ceni até a passagem do histórico argentino Juan Pablo Vojvoda, hoje no Santos, pelo comando técnico. Curiosamente, mais um “hermano” fez a diferença na carreira de Calebe – e não seria o último. A confiança do Fortaleza surtiu efeito logo de cara.
“Vivi muitos momentos bons no Fortaleza, mas, sem dúvidas, o ano de 2023 foi o mais especial e ficará marcado para sempre na minha vida. Fiz parte do time que conquistou o pentacampeonato cearense, marcando um gol na final. Também tivemos a campanha na Libertadores e fomos vice da Sul-Americana”, relembra. Depois disso, todavia, o atleta sofreu com contusões.
“Em 2024, vencemos a Copa do Nordeste e, depois, passei por alguns momentos difíceis com lesões que me impediram de ter uma sequência maior no clube. Sobre o Vojvoda, é um treinador excepcional, que, além de seu trabalho dentro de campo, se preocupa bastante com o lado humano do jogador. Foi uma honra ter trabalhado com ele e desejo muito sucesso em sua carreira.”
Sonho realizado
Com oito títulos de primeira prateleira em menos de cinco anos de carreira profissional, Calebe se tornou um alvo óbvio para equipes europeias. Meio-campista moderno, o jogador apresentava valências que iam desde a marcação até a armação de jogadas e a organização do setor intermediário. As características encantaram Coudet, que já havia tentado levá-lo ao Internacional em 2024.
O desejo do treinador argentino se concretizou no Alavés, que disputa a primeira divisão do campeonato mais conhecido por seus meias talentosos, o Espanhol. Foi então que o ribeirão-pretano deixou Fortaleza (CE), com 2,4 milhões de habitantes, e se mudou para uma cidade com pouco mais de 10% da quantidade de pessoas: Vitoria-Gasteiz, de apenas 253 mil moradores. Após tanto tempo nas metrópoles, Calebe se reconectou com o interior e viveu uma mudança no estilo de vida em prol de um antigo desejo, comum a tantos garotos que fizeram carreiras no videogame.
“Jogar na Europa sempre foi um sonho, ainda mais em um centro esportivo como o espanhol. Sabia que seria uma grande oportunidade de mostrar meu futebol fora do Brasil e, ao mesmo tempo, enfrentar alguns dos principais times e jogadores do mundo, então não pensei duas vezes. A adaptação tem sido muito boa, fui muito bem recebido pelos companheiros, funcionários do clube e comissão técnica, o que tem ajudado a me adaptar mais rapidamente. Aos poucos, também estou aprendendo espanhol, embora já tivesse alguma familiaridade por ter trabalhado com companheiros argentinos ao longo da minha carreira. Espero continuar me adaptando cada vez mais para ser muito feliz e alcançar grandes conquistas por aqui.”
A rotina de jogador profissional é semelhante em todo lugar, com treinos, atenção à alimentação e viagens. Em terras espanholas, entretanto, Calebe menciona ter notado a diferença no calendário de jogos, menos inchado em relação ao brasileiro.
“Aqui dificilmente tem um jogo durante a semana. Geralmente é só final de semana, como na liga. Então, claro que os treinamentos aqui são muito puxados, muito intensos, assim como no Brasil, só que aqui muda um pouco o estilo de jogo, que é muito tático, tanto defensivo quanto ofensivo. Os treinamentos são muito intensos, os jogos são muito intensos, mas estou me adaptando muito rápido. É um ambiente muito bom”, afirma.
O brasileiro tem propriedade para comentar sobre as nuances do jogo na “liga das estrelas”. Anunciado pelo Alavés em julho, Calebe fez sua tão sonhada estreia logo na primeira rodada de LaLiga, em 16 de agosto, na vitória por 2 a 1 sobre o Levante.
“Foi um momento indescritível. Sou muito grato a Deus por tudo o que tem feito em minha vida e pela oportunidade de viver um momento como esse. Vivi, por alguns dias, um sentimento de muita expectativa e, no dia do jogo, passei por várias emoções, desde a vontade de entrar em campo até a alegria da vitória nos minutos finais, o que tornou tudo ainda mais especial. O jogo na Espanha é mais tático, com pressão coletiva e movimentos ensaiados o tempo todo. Já percebo que é preciso ser rápido na tomada de decisão e intenso nos dois lados do campo. Mas esteve a meu favor o fato de eu ter feito a pré-temporada com a equipe, o que me permitiu me adaptar a esse estilo de jogo nas semanas antes da estreia oficial”, analisa.
Futuro em aberto
Em poucos anos, Calebe viveu muitos momentos de alegria, mas lutou para alcançar cada um deles. Agarrado à fé, o meia tem como objetivos para a temporada europeia se adaptar ao novo estilo de futebol, conquistar seu espaço e criar um vínculo com os “Babazorros”. O que vem pela frente, de acordo com o atleta, a Deus pertence, mas um retorno ao local onde foi formado, agora como profissional, jamais estará descartado.
“Olhando para o futuro, eu sempre falo que Deus tem controle de tudo. É claro que a gente tem os nossos planos, nossos sonhos, mas sempre deixo na mão de Deus. (…) É natural olhar para trás e pensar no que eu poderia ter vivido a mais no São Paulo. Tenho muito carinho pelo clube. (…) Sobre voltar ao São Paulo no futuro, quem sabe. Deixo as portas abertas, mas hoje meu foco está em dar o meu melhor no Alavés e em construir minha história no futebol espanhol.”
Fato é que Calebe ainda tem muito a viver em sua carreira, que está apenas no começo. O jogador busca seguir o exemplo de tantos craques naturais ou com passagens marcantes pela região que fizeram história na elite do Velho Continente, como Raí, Bordon, Doni e, atualmente, João Pedro, recém-chegado ao Chelsea.
No fim das contas, a expectativa é que a jornada continue a fluir naturalmente para o meio-campista, que aos 25 anos ainda tem a mesma meta daquele garoto que cresceu em Monte Azul Paulista: se divertir.
“Claro, é um trabalho, mas em vez de ser só um trabalho, eu estou fazendo aquilo que eu gosto. Então, eu tento me divertir ao máximo, com responsabilidade. Desde pequeno, meu pai me falava que eu sempre gostei de bola e sempre assistia a jogos. Era 24 horas pensando em futebol. Minha família e meus amigos sempre falaram que eu tinha capacidade de me tornar um jogador profissional. Fico feliz e agradeço a Deus por me dar esse dom de poder jogar futebol”, completa.

