Tribuna Ribeirão
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Canção de ninar – Um país em luto

Taís Roxo Fonseca *


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Na favela, o sol nasce sob a labuta. Mãos que erguem o dia, corpos que movem a cidade. A dor, ali, não é poesia, é a aritmética cruel de mais um filho perdido. Na Penha, a cena se repete em um silêncio ululante, parentes enfileiram os corpos, cada um, uma eternidade roubada. Vidas “ baratas” que se esvaem sob a indiferença da nação.

A Constituição Brasileira, prevê a pena de morte como uma exceção , somente em caso de guerra declarada. 

Contudo, o que se viu na chacina foi a pena de morte como regra, executada sem tribunal, sem direito de defesa, sem dignidade humana, transformando a vida de pobres e pretos em mero saldo de uma “higienização” social que muita gente, acovardada pela hipocrisia, prefere ignorar.

A narrativa oficial da chacina se esfacela sob o peso dos fatos, como as contradições do governador Castro, que disse ter realizado um pedido de socorro à Brasília, depois veio a retratação e ainda, um oficio a Washington, revela um teatro político que busca legitimidade externa para uma guerra interna. Michel Foucault, em Vigiar e Punir, ensinou-nos que a punição é um espetáculo de poder.

A mera punição não adianta nada é o mesmo que tomar comprimido feito de farinha. O pior de tudo é a ausência de revolta e falta de comoção que vemos diante desse macabro episódio, fileiras de pessoas mortas com mães em desespero agachadas ao lado dos corpos de seus filhos.

Talvez, a inércia do brasileiro diante de mortes de favelados nem seja falta de humanidade, mas a prova de que a nossa sociedade está mesmo muito doente. 

O medo está espalhado e a dor, internalizada. E o que é mais trágico, a periferia aceita seu próprio destino como se não houvesse outra saída.

Já que não podem morar no palácio com ar- condicionado, amanhã devem descer normalmente o morro para faxinar a mansão. Isso ocorre por uma questão evidentemente de injustiça social. 

A sociedade, por sua vez, não se comove como deveria, em vez de indignação, surgem murmúrios de que o lixo social deve ser limpo mesmo.

Esse discurso é a prova mais dolorosa de que para grande parte do Brasil , a vida de quem está abaixo na pirâmide social é desvalorizada e quando no limite, suas vidas são literalmente descartadas. 

Há pouco tempo, houve uma investigação anunciada sobre os escritórios financeiros que lavam dinheiro e movimentam todo o poderio econômico do crime organizado, mas ao que parece, diante o silêncio eloquente, a investigação parou e os postos de combustíveis, os bancos e demais agências financeiras continuam operando do mesmo jeito, ou seja, lavando o dinheiro ilícito para o crime organizado.

A população encontrase alertada sobre a gravidade de tudo isso e deveria exigir respostas sobre tão importantes denúncias anunciadas, o que seria crucial para estagnar a circulação ilegal do dinheiro que alimenta toda essa história . Mas o foco é sempre o elo mais fraco, o preto e o pobre. Como um eco de nosso luto, ecoa a canção “ para não dizer que não falei das flores de Geraldo Vamdré, com sua carga de protesto e esperança de um futuro diferente.



* Advogada


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