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Carro elétrico no condomínio: a batalha da tomada e a soberania da assembléia

Rodrigo Gasparini Franco *


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Instalar carregadores para carros elétricos em condomínios tornou-se um dos temas mais disputados nas assembleias condominiais. A pergunta central é direta: pode ou não pode? A resposta, à luz da lei e das decisões judiciais recentes, é: pode, desde que observadas regras de segurança, a soberania da assembleia e a igualdade entre condôminos.

Em muitos casos, a instalação individual sem deliberação coletiva tem sido barrada.

O ponto de partida jurídico está no Código Civil. O artigo 1.342 estabelece que obras que interfiram nas partes comuns exigem aprovação em assembleia, e o artigo 1.335, inciso II, resguarda o uso igualitário das áreas comuns. Na prática, mesmo quando a vaga é de uso privativo, a alimentação elétrica, a infraestrutura e a segurança contra incêndio envolvem bens e riscos coletivos.

Assim, a exigência de aprovação prévia, padronização técnica e eventual rateio de adequações tende a prevalecer.

A jurisprudência recente confirma essa linha. No Ceará, o Tribunal de Justiça reformou decisão que autorizava um morador a usar base elétrica construída sem deliberação do condomínio. Um laudo de inspeção classificou o risco como crítico, com oscilações frequentes de energia, e a corte destacou que autorização isolada do síndico não supre a necessidade de assembleia, sobretudo para padronizar e garantir segurança.

Com isso, afastou-se a probabilidade do direito e o uso da base ficou impedido até regularização.

No Distrito Federal, a 3ª Turma Cível seguiu trilha semelhante: para a instalação de wallbox conectado à rede do prédio, é indispensável submeter o pedido à administração e à assembleia, conforme a convenção.

Sem prova de observância das regras internas, a tutela de urgência foi negada por ausência de probabilidade do direito.

Em São Paulo, a preocupação com a isonomia entre moradores estruturou decisões que mantiveram vetos. A 34ª Câmara de Direito Privado destacou laudo pericial segundo o qual apenas uma estação por subsolo seria tecnicamente viável; instalar na vaga dos autores privilegiaria um condômino em detrimento de futuros usuários, violando o uso igualitário.

Em outro caso, embora o laudo apontasse viabilidade técnica para a tomada individual, a necessidade de adequações suplementares para atender novas solicitações poderia inviabilizar o atendimento universal; prevaleceram a decisão assemblear e o princípio da igualdade.

Ainda no TJ-SP, reafirmou-se que a vaga, embora de uso privativo, situa-se em área comum, e a negativa votada em assembleia basta para a improcedência do pedido individual.

Há, contudo, espaço para decisões favoráveis quando o interessado cumpre requisitos e não há indícios de risco ou ônus à coletividade.

No Rio Grande do Sul, a 20ª Câmara Cível manteve tutela de urgência para reinstalar tomada em vaga privativa com medidor individual, destacando verossimilhança: consumo arcado apenas pelos autores, ausência de prova de incômodo ou risco, e apresentação posterior de laudos e projetos à administração.

O recado dos tribunais é consistente. A instalação não é um direito absoluto exercível de forma unilateral. Em regra, exige: aprovação assemblear nos termos da convenção; projeto técnico com ART/RRT, laudos de carga e de proteção contra incêndio; medição individual do consumo; e plano de expansão que preserve a igualdade de acesso futuro.

Onde há risco técnico, sobrecarga ou favorecimento exclusivo, prevalece o interesse coletivo. Onde há segurança comprovada, medição própria e respeito ao rito condominial, abre-se a porta para o carregador.



* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)

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