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Cérebros co-nexus humanos e artificiais – I

Esse seu olhar / quando encontra o meu / fala de umas coisas / que eu não posso acreditar” – Canção bossa nova de Tom Jobim 
 
Semana passada, prometi mostrar a diferença entre o funcionamento do cérebro humano e do falsamente chamado “cérebro artificial”. O cérebro humano é massa encefálica orgânica dentro da caixa craniana. Vários não funcionam muito bem, mas para uma frota atual de quase 8 bilhões de bípedes, até que estamos dentro da margem de erro. Mas pode apagar aquela imagem de um cérebro eletrônico conservado em formol, conectado a centenas de cabos elétricos, “ledzinhos” coloridos piscando, com dois olhos vermelhos de robô “doidão” te encarando. Os tempos são outros. Frankenstein se aposentou, mora na Flórida e dá aulas de interpretação dramática para Sylvester Stallone. Todo sábado toma bloodmarys com o Exterminador do Futuro, este aposentado por enferrujamento precoce, que conserta cortadores de grama num resort do Trump. 
 
Antes de tudo, precisamos compreender como o nosso cérebro evoluiu explosivamente nos últimos trezentos mil anos. É uma definição temporal meio arbitrária, mas é bem aceita pela comunidade científica para o surgimento do Homo sapiens e o começo de seu domínio. Existem evidências da convivência do Homo sapiens com Neandertais e Denisovanos, mas estamos vivendo o império do Sapiens, sendo o que nos interessa. Peço um pouco de paciência aos meus leitores, a limitação de espaço me obrigará a dividir essa crônica em duas ou três partes, mas farei isso para desenvolver meus argumentos de um modo mais didático e assimilativo. 
 
Primeiro falaremos do nosso conhecido cérebro. Órgão individual e único, que cada humano respirante em nosso planeta carrega dentro de seu crânio e como funcionam suas partes orgânicas e a sinergia que ocorre entre elas. Depois falaremos da chamada Inteligência Artificial Geral e do conceito de um cérebro etéreo e fisicamente inexistente. 
 
O Homo sapiens é um dos poucos animais terrestres bípedes. Desenvolveu-se em uma região de savanas, com poucas árvores e um terreno sempre coberto por gramíneas. Babuínos vivem até hoje na mesma região, mas continuam sendo animais que usam as patas dianteiras para locomoção na maioria do tempo, além da coleta de alimentos. O Sapiens, ao tornar-se bípede e ereto, levou a vantagem de poder se deslocar sem depender de um vigia situado em um lugar mais alto para dar alerta, caso aparecesse um predador. Isso ampliou seus territórios de caça e coleta. Enxergando suas presas com mais facilidade ao olhar por cima das gramíneas, diversificou suas fontes de alimentação. Com o tempo, aprendeu a atirar pedras para atingir pequenas presas à distância. Combinando a rotação do braço e do corpo, usou pedras maiores e pedaços de madeira para caçar animais mais robustos e afastar predadores. A evolução disso se transformou, milênios depois, nas armas da Antiguidade: o arco e flecha, a funda, a clava, a lança e a espada. 
 
Mas como uma geração mostrou para a outra como fazer isso e transformou esse acúmulo de conhecimento em evolução de ferramentas e métodos? O nosso cérebro começou a reservar um espaço maior para guardar essas informações (memória) e desenvolveu um modo de passar a ideia para a próxima geração, com o uso da inteligência e do raciocínio. Chamamos isso hoje em dia de comunicação, que no seu formato metódico conhecemos como Educação.  
 
Isso começou por absoluta necessidade da vida gregária, em bandos cada vez mais numerosos, com o desenvolvimento da linguagem vocal e corporal. Como um ancestral nosso faria para indicar para seu grupo onde ficava o rio mais piscoso da região? Será que teria que levar todos os membros juntos com ele, sempre que tivessem que pescar? Raciocínio, memória e inteligência agiram conjuntamente por milênios, criando essa maneira de transmitir o conhecimento de um para todos: a linguagem. Ela utiliza a comunicação  através de fonemas e gestos para expressar conceitos  básicos como seletividade, quantidade, informação, distância, localização e identificação. Pego como exemplo uma frase em nheengatu, uma evolução atual da língua tupi. Ao indicar qual é o rio mais piscoso o indivíduo diria: “Igarapé ipirá heté, ese igarapé atã ybyrá umbu ypé.” Traduzindo: “o rio que tem mais peixes é aquele onde fica a cachoeira perto do umbuzeiro”. Aproveito para te mostrar duas coisinhas do nosso português falado no Brasil. Em nheengatuypé” significa árvore, que adotamos como ipê, um dos símbolos da nossa beleza natural. É a origem da palavra “pé” com significado de árvore frutífera: pé de jabuticaba, pé de limão, pé de manga. 
 
O espaço é curto, semana que vem continuamos. E só para lembrar: o livro “Nexus”, do historiador Yuval Harari tem tudo a ver com isso aí. Nexo é conexão, ligação. Fique ligado. 

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