Edwaldo Arantes *
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Tenho vários amigos dedicados à arte da fotografia que acredito ser, realidade, instantes e momentos captados descritos em imagens, é como ao olhar movimentarem-se ou levar-nos a instantes de felicidade ou dor.
Meu irmão e amigo querido Ewaldo Arantes não é um profissional da arte, mas passou a vida fotografando e eternizando épocas em ápices.
Ewaldo é mesmo o guardião da trajetória, conseguiu a façanha de fixar em um papel, pessoas, objetos, entes queridos, salas, cozinhas, alvoreceres que nunca vão envelhecer, apenas adquirirem uma cor desbotada revelando que os tempos correm, assim se perpetuaram, não criaram rugas, não quebraram e nem pereceram.
Apenas um tênue aperto de dedos guardava para sempre a comédia ou a tragédia, o nascimento, morte, o ipê branco ou a devastação destacada para o jacarandá tombado, tal qual o guerreiro atingido.
Depois, uma mágica que nenhum Harry Houdini conseguiu demonstrar, impregnada ao papel, o que se viu, eternizado.
Meus pensamentos arrastam-se vagando em lembranças, abrir um álbum e projetar um passar de anos onde apenas a realidade exibe as mudanças.
Folheio e recorro ao espelho refletindo o tempo, os meus olhos não eram assim tristes e quase sem brilho, nem minhas mãos, que parecem temer a realidade, talvez por isso as esconda nos bolsos.
Fujo dele e volto aos papéis passando folhas e imagens em diversos tempos e lugares, poses paralisadas sugerindo que houve vida.
Em uma rápida parada vejo minha infância, sob as chamas das velas, projetando sombras nas paredes, medo e terror da noite.
Minha mãe ajoelhada, olhando o chão da capela com um estranho e transparente pano a cair pelo rosto, nunca soube o que balbuciava entre lábios e súplicas.
As cenas estáticas fazendo brotar o silêncio, criando um gosto especial, decifrando a solidão.
Tentando dissipar saudades confusas ergo a taça eterna, o “santo graal”, o vinho tinto português único e fiel companheiro da noite vã.
O relógio que não é o “cuco” parado grudado ao papel, suas correntes quase tocando o solo, recuso-me a perceber ponteiros modernos sem badalos marchando para o nada, marcando apenas meu olhar perdido sobre a existência e seus caminhos.
O olhar cria imagens imprecisas, os pensamentos misturam-se desordenados, desalinhados e caóticos, surgindo uma mescla de visões causando grande confusão, em abrupto gesto fecho o álbum tentando esquecê-lo.
Estou só e não me traz nenhuma importância, não existem arrependimentos, remorsos ou ressentimentos, apenas constatações.
Arrisco alguns passos trôpegos causados pelo companheiro escondido em uma taça que não trinca, corrente de união em elos inquebrantáveis.
Inebriado, em torpor, socorro-me a estante, em um gesto aleatório retiro um livro, caminho até a poltrona, sobressaltado e feliz, percebo nas mãos, “Cem Anos de Solidão”, do brilhante escritor colombiano, Gabriel José García Márquez, Gabo, em seu realismo mágico.
Leio alguns parágrafos e volto à taça sorvendo um gole quase em sofreguidão, retornando aos sonhos e devaneios.
Lembranças, suores e arrepios percorrendo o corpo, causando a certeza que não existem agasalhos para as almas ou lareiras acalorando corações.
Teus olhos surgem resplandecendo como o reflexo de um raio de sol mirando uma esmeralda tingindo de verde tudo ao redor, percebo tuas coxas, troncos de Buritis entrelaçados misturando nossas pernas, sua lembrança afaga e acalma a agonia.
A silhueta transparece graciosa, harmoniosa, altiva e formosa desnudando o belo, uma maravilha contemplada, lavrada em deslumbre, mistério e enigma.
Busco novamente uma página esquecida e tingida em pingos vermelhos, tal qual um rubi, fruto de um líquido que percorre a garganta consolando e acalentando.
“Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia esquecida na parede. Mas como dói!” – Carlos Drummond de Andrade – Confidência do Itabirano.
“Escrevendo com as imagens e vendo com as palavras, como previu a genialidade sensível de João Guimarães Rosa”.
* Agente cultural

