Por Lúcio Mendes
Uma tragédia violenta e inesperada deixou em choque os moradores de Cruz das Posses, distrito de Sertãozinho (SP), com pouco mais de 8 mil habitantes no interior paulista. Na noite de sexta-feira (23), uma mulher de 34 anos e sua filha de apenas 5 foram brutalmente assassinadas a facadas dentro de casa. O crime, cometido pelo companheiro da vítima e pai da criança, revelou não apenas a face mais extrema da violência doméstica, mas também acendeu um alerta psicológico sobre os sinais ignorados por anos na comunidade.
O impacto emocional foi imediato. O silêncio nas ruas no dia seguinte contrastava com o horror das cenas descritas por quem presenciou o desfecho. Vizinhos relataram incredulidade, colapso sensorial e uma sensação coletiva de impotência. Muitos disseram não conseguir compreender como uma pessoa capaz de gestos de cuidado também pôde cometer tamanha violência, uma contradição frequente em relacionamentos marcados por ciclos de agressão, reconciliação e tensão.
Segundo as investigações, o crime teria ocorrido após uma discussão doméstica. A versão apresentada pelo algoz sugere uma escalada abrupta da violência, onde uma sequência de ferimentos fatais atingiu tanto a mulher quanto a filha, que teria tentado, segundo seu relato, proteger a mãe dos golpes.
Especialistas em comportamento humano apontam que, em casos como esse, a violência raramente é um episódio isolado. Ela costuma ser o ápice de uma dinâmica silenciosa, muitas vezes naturalizada por quem está dentro e até por quem observa de fora. Apesar de relatos de discussões recorrentes, para boa parte da vizinhança, a violência parecia restrita ao ambiente privado, até que transbordou de forma irreversível.
O crime também expôs uma fratura social profunda: a dificuldade em reconhecer os sinais de relacionamentos abusivos, especialmente em comunidades menores, onde os vínculos pessoais e a ideia de “vida privada” muitas vezes abafam denúncias e intervenções. Em conversas com moradores, foi recorrente o discurso de surpresa, ainda que alguns admitissem que as brigas eram constantes. A naturalização da violência verbal e psicológica dentro de casa parece ter anestesiado a percepção do risco real.
O trauma se estendeu para além da cena do crime. Uma testemunha relatou que viu o agressor caminhando pela rua logo após o ocorrido, em estado de choque, gritando frases desconexas sobre o que havia feito. O episódio desencadeou crises emocionais em quem presenciou o momento, refletindo a brutalidade não apenas do ato, mas da incredulidade e horror subsequentes, tanto do agressor quanto da comunidade.
No plano familiar, o impacto é devastador. Um adolescente de 17 anos, filho do casal, foi imediatamente acolhido por órgãos de proteção, enquanto familiares da Bahia, terra natal da família, eram procurados para assumir os trâmites do sepultamento e do cuidado com o jovem.
Para psicólogos e estudiosos do comportamento, este não é um caso isolado, mas sim parte de um fenômeno social que combina fatores emocionais, históricos e culturais: masculinidade tóxica, dificuldade de regulação emocional e ausência de redes efetivas de apoio.
O crime, que agora reverbera na memória coletiva do distrito, não só despedaçou uma família, mas também desafiou a comunidade a encarar de frente um problema que, até então, parecia invisível, mas que sempre esteve lá.

