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De “Califórnia Brasileira” a Wall Street do crime

Mais de R$ 35 bilhões foram movimentados por grupo em apenas sete operações no segundo semestre deste ano (Foto: Polícia Federal/Divulgação)

Por Adalberto Luque 

Nos anos 1980, o jornalista Ricardo Kotscho, então no Jornal do Brasil, veio a Ribeirão Preto a convite do colega Augusto Nunes, que era chefe da sucursal paulistana do mesmo jornal. Natural de Taquaritinga, Nunes quis mostrar a Kotscho a pujança da antiga terra dos ‘Barões do Café’, que se reinventou após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929. 

Reunidos com Vicente Golfeto, no Instituto de Economia da ACI, os jornalistas ouviram relatos sobre a saúde financeira de Ribeirão Preto e região. A cidade era a terceira maior praça de compensação de cheques do Brasil, atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. 

Além disso, tinha a maior renda per capita do país. A cultura da cana-de-açúcar começava a ganhar força na cidade e região, mas a multicultura ainda era forte. Comércio, prestação de serviços e muitos outros indicativos tiraram de Kotscho a expressão “Califórnia Brasileira”, que foi publicada no Jornal do Brasil para se referir à pujança do interior paulista. 

Carros de luxo e imóveis de alto padrão são alternativas básicas para lavar dinheiro ilícito (Foto: Polícia Federal/Divulgação)

Isso atraiu muita gente para a cidade. A população mais que dobrou, de 347 mil habitantes em 1985 para de 728 mil neste ano. As poucas favelas se multiplicaram. Os problemas também aumentaram e, aos poucos, o título “Califórnia Brasileira” foi caindo em desuso. 

Crime organizado 

Não é que Ribeirão Preto perdeu sua força. Muito pelo contrário. Ainda é um polo econômico muito forte no Brasil, mas sem necessariamente ostentar o título que fez com que a cidade dobrasse de tamanho. 

Mais recentemente, a região passou a registrar várias operações policiais contra grupos ligados a organizações criminosas. Esses grupos teriam se especializado na lavagem de dinheiro, sobretudo do tráfico de drogas e de armas. 

As operações são as mais diversas e não necessariamente contra os mesmos grupos. Coincidência ou não, os núcleos financeiros de muitos grupos atuam a partir de Ribeirão Preto e região. 

Ribeirão Preto tem sido núcleo financeiro de diversas organizações criminosas (Foto: Polícia Federal/Divulgação)

Mesmo os métodos mais conhecidos de lavagem de dinheiro ilícito ganham ares de sofisticação. Até mesmo as formas mais comuns de lavagem de dinheiro, investindo em ativos como imóveis e veículos de luxo, ganharam uma nova roupagem. 

Isso fez com que viaturas das Polícias Federal, Civil e Militar, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), da Receita Federal, entre outros órgãos, passassem a frequentar condomínios de alto luxo na zona Sul de Ribeirão Preto. 

Conhecimento e criatividade 

As formas encontradas demonstram conhecimento profundo de finanças, organização e estrutura digna de grandes grupos empresariais. Para ficar apenas em duas ações recentes das forças policiais, os criminosos usavam técnicas sofisticadas. 

Numa delas, a Operação Cash Out, realizada pelo Gaeco, com apoio do Batalhão de Operações Especiais de Polícia (Baep) em 3 de julho, os investigados usavam casas de apostas online para lavar dinheiro do crime organizado. 

Em outra, considerada a maior ação policial da história contra o Primeiro Comando da Capital (PCC), o alvo foi a cadeia de produção de combustíveis. A organização criminosa usava fintechs (sigla para finanças e tecnologia), empresas que utilizam tecnologia financeira para oferecer serviços de forma simples e menos burocratizada que os bancos tradicionais. 

O dinheiro injetado nas fintechs, de acordo com as investigações, era de origem ilícita. Com os fundos, o crime organizado investia na compra de postos de combustíveis, lojas de conveniência, distribuidoras de combustíveis e usinas que produzem etanol. 

Ações contra núcleo do PCC que atuava na cadeia produtiva de combustíveis revelaram movimentação superior a R$ 10 bilhões (Foto: Polícia Federal/Divulgação)

O lucro obtido nas movimentações com recursos lavados do crime era blindado nos fundos, com diversas camadas de ocultação, para tentar impedir que os reais beneficiários fossem identificados. 

Mudança de regras 

Essa estratégia extremamente eficiente e organizada fez com que a Receita Federal publicasse, em agosto deste ano — dias depois das operações Carbono Oculto, Quasar e Tank, todas mirando o PCC — mudanças nas normas para as fintechs. 

“A Receita Federal já identificou ao menos 40 fundos de investimentos (multimercado e imobiliários), com patrimônio de R$ 30 bilhões, controlados pela organização criminosa. Em sua maioria, são fundos fechados com um único cotista, geralmente outro fundo de investimento, criando camadas de ocultação. Entre os bens adquiridos por esses fundos estão um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool (mais duas usinas em parceria ou em processo de aquisição), 1.600 caminhões para transporte de combustíveis e mais de 100 imóveis, dentre os quais seis fazendas no interior do estado de São Paulo, avaliadas em R$ 31 milhões, e uma residência em Trancoso/BA, adquirida por R$ 13 milhões”, informou a Receita Federal em seu site. 

Núcleos financeiros 

Somente no segundo semestre de 2025, foram realizadas sete operações policiais contra núcleos financeiros em Ribeirão Preto e região. Todas em casos diversos, não necessariamente ligadas umas às outras. Isso no período de 1º de julho a 11 de setembro, um espaço de 73 dias, o que dá uma operação a cada 10 dias. 

Apenas nestas operações, participaram mais de 2 mil agentes estaduais e federais, contra alvos que teriam movimentado, juntos, mais de R$ 35 bilhões. Além das operações realizadas através do cumprimento de mandados de prisão e busca e apreensão nos endereços dos alvos, a Justiça tem determinado, paralelamente, o bloqueio de bens no valor correspondente. 

Segundo a PF, esses bloqueios autorizados pela Justiça têm por objetivo desestruturar financeiramente as organizações criminosas, além de recuperar valores desviados. Em seu site, a PF cita o compromisso no combate à lavagem de dinheiro e à infiltração do crime organizado no mercado financeiro. 

Operação Cash Out 

Realizada no dia 3 de julho, a ação reuniu integrantes do Gaeco e Baep. O objetivo foi cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão contra uma organização criminosa que movimentava toneladas de drogas todos os anos. 

O capital era lavado utilizando, entre outras fórmulas, um site de apostas online, a popular “bet”. Um caminhão-cegonha foi providenciado para transportar os carros apreendidos na ação. Além disso, dois integrantes do grupo — que tinham funções distintas para funcionar — foram presos com um carregamento de 300 quilos de maconha. 

Relógios de luxo e joias são opções muito usadas pelos criminosos para “esquentar” dinheiro do tráfico de drogas (Foto: Polícia Federal/Divulgação)

Mais de R$ 13 milhões em bens foram bloqueados judicialmente e cinco pessoas foram presas, quatro em Ribeirão Preto e uma em Morro Agudo, região metropolitana. Um dos alvos dos mandados de prisão foi morto em confronto com a PM. 

Operação Navalha 

Realizada pela PF e Gaeco, com apoio da PM, a ação ocorreu no dia 29 de julho. A partir da Delegacia da PF em Bauru, as investigações apontaram que o grupo atuava na lavagem de dinheiro para traficantes. 

Foram cumpridos mandados de prisão e busca e apreensão em Ribeirão Preto, Jardinópolis, Araraquara, Agudos e Bauru. Em Ribeirão Preto funcionava um dos núcleos financeiros da organização criminosa. 

O número de prisões não foi informado, mas a Justiça determinou o bloqueio de R$ 20 milhões em bens dos investigados. Além disso, durante as buscas, os agentes localizaram cerca de R$ 1 milhão em cédulas, além de joias, armas de fogo e veículo de luxo, tudo devidamente confiscado. 

Operação Ribeirão 

A ação reuniu 70 policiais civis em 20 viaturas e foi coordenada pela Divisão Especializada de Investigações Criminais (Deic) de Ribeirão Preto, para cumprir mandados de busca e apreensão na cidade. Seis pessoas foram presas durante a operação, que ocorreu em 13 de agosto. 

O grupo fazia parte de uma grande organização criminosa que movimentava milhões no tráfico de drogas e era responsável pela lavagem de dinheiro. Foi decorrência de uma outra operação, ocorrida em junho de 2024, em que quatro pessoas foram presas e condenadas, mas as investigações seguiram. 

Os presos operavam um esquema de lavagem de dinheiro, com movimentações bancárias de laranjas, manipulações de capitais e cuidavam da compra, pagamento ao fornecedor, venda e recebimento no tráfico de drogas. 

Um bar no Ipiranga, zona Norte da cidade, apresentou movimentação atípica de mais de R$ 4 milhões em poucos meses. Na casa do dono do bar, os policiais apreenderam R$ 38 mil em cédulas. O dono de uma empresa que comercializava legalmente microtubos também foi preso por desviar o produto para o fracionamento de porções de cocaína. 

Operação Arco Sul 

Deflagrada em 19 de agosto pela Polícia Federal e Gaeco, teve apoio do Baep e do Tático Ostensivo Rodoviário (TOR) da Polícia Militar Rodoviária (PMRv). Mobilizou 110 policiais federais, 32 militares e integrantes do Gaeco para cumprir 24 mandados de prisão temporária e 20 mandados de busca e apreensão. 

Os alvos eram o núcleo financeiro em Ribeirão Preto e envolvidos de outras cidades nos estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul. Um dos alvos era procurado da Interpol e outro foi preso em um condomínio de luxo na zona Sul de Ribeirão Preto. 

O grupo movimentou e lavou mais de R$ 50 milhões e teve bens sequestrados no mesmo montante, como medida para descapitalizar a organização criminosa. A ação começou a partir de uma apreensão de drogas feita pela PMRv em janeiro de 2024, quando foram confiscados 165 quilos de entorpecentes após um veículo ser abordado em uma rodovia. 

Megaoperação contra o PCC 

No dia 28 de agosto, o PCC foi alvo de três operações simultâneas: a Carbono Oculto, a Quasar e a Tank. Participaram das ações cerca de 1,4 mil agentes da Polícia Federal, Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo (MPSP), Gaeco do Ministério Público Federal, Polícias Civil e Militar, auditores fiscais da Receita Federal, Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, Agência Nacional de Petróleo e Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. 

Foram ações voltadas à atuação do crime organizado na cadeia produtiva de combustíveis e tiveram por objetivo desarticular esquemas de lavagem de dinheiro com grande impacto financeiro para as organizações. 

A junção das ações simultâneas mirou o grupo que movimentou mais de R$ 10 bilhões em movimentações de lavagem de capitais, com esquemas sofisticados. Em Ribeirão Preto, funcionava um dos núcleos financeiros, operando uma fintech. 

Ameaçando proprietários de postos de combustíveis e lojas de conveniência, a organização criminosa comprava esses estabelecimentos — e muitas vezes nem os pagava. Também há indícios de compra de usinas para a produção de etanol e de distribuidoras de combustíveis. Foi a maior operação contra o crime organizado na história brasileira. 

Condomínios de alto padrão têm sido alvos constantes de prisões e cumprimentos de mandados de buscas e apreensões contra responsáveis pela lavagem de dinheiro ilícito (Foto: Polícia Federal/Divulgação)

Além do bloqueio judicial de ativos (imóveis de luxo, automóveis e joias), a Justiça também determinou o bloqueio de saldos de fundos de investimento de fintechs ligadas ao esquema. 

Desvio de dinheiro 

A Polícia Civil do Paraná realizou uma grande operação no dia 3 de setembro. Mais de 500 policiais civis cumpriram 57 mandados de prisão e 132 de busca e apreensão contra uma organização criminosa especializada em golpes eletrônicos e lavagem de dinheiro. 

O grupo desviou mais de R$ 5 milhões de uma rede de postos de combustíveis com sede no Paraná. O núcleo financeiro do esquema estava em Ribeirão Preto, onde três pessoas foram presas — o outro preso na região é de Orlândia e também integra o núcleo financeiro. 

Utilizando contas bancárias de laranjas espalhados pelo Brasil — e pagando aluguel pelo uso das contas —, o núcleo financeiro desviava valores entre R$ 10 mil e R$ 30 mil a cada golpe eletrônico, tentando não ser notado. 

O dinheiro desviado da rede de postos de combustíveis era pulverizado entre as contas dos laranjas, espalhados em todo o País, para dificultar sua localização. A Polícia Civil de Ribeirão Preto participou da operação. 

Operação Hauler 

Após investigações realizadas pela Delegacia da PF em Araraquara, contra um grupo especializado na lavagem de dinheiro para o crime organizado, a ação foi realizada para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão contra investigados por crimes contra o sistema financeiro e associação criminosa. 

Os mandados foram cumpridos em Ribeirão Preto, Araraquara, Matão e Santos. Um dos alvos foi uma loja de veículos de luxo localizada no Alto da Boa Vista, zona Sul de Ribeirão Preto. 

A Justiça determinou o bloqueio de mais de R$ 74 milhões em bens dos investigados, entre imóveis de alto padrão, saldo de contas bancárias e aplicações financeiras, joias e 40 veículos apreendidos pela Polícia Federal. Em Ribeirão Preto, duas pessoas foram presas. 

Poderio financeiro 

Somente nestas ações, o prejuízo foi superior a R$ 35 bilhões. Mas o poderio financeiro das organizações criminosas impressiona. 

Antes, o tráfico era estigmatizado, com a imagem do traficante ou do olheiro, do distribuidor, sempre em comunidades. Hoje o crime organizado vive muito bem, obrigado. Mora em condomínios de alto padrão, tem carros de luxo, joias e dinheiro vivo, além de viver ostentando. Talvez esse seja o meio de combater o crime organizado, afinal, como diz o ditado popular: o peixe morre pela boca. 

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