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De volta ao passado

Videogames, discos de vinis, karaokês: hábitos e objetos de outras décadas ainda têm uma legião de fãs, apesar da tecnologia atual

A nostalgia de hábitos e objetos do passado mexe com muita gente, mas alguns investem mais para manter o elo que não se perde (Foto: Max Gallão Mesquita)

Por Adalberto Luque

O professor de inglês de 63 anos, que prefere não se identificar, é um dos milhares de visitantes da exposição itinerante Museu do Videogame, em cartaz no Novo Shopping entre 11 e 26 de outubro. “Já me separei da primeira esposa por conta da minha paixão por pinball, ou fliperama, como muitos conhecem. Vim conferir de perto os equipamentos”, revela.

A exposição é interativa e reúne 450 consoles. É possível jogar nos fliperamas, consoles antigos e atuais, além de experimentar a realidade virtual. Mas são os consoles mais antigos — como o pioneiro Magnavox Odyssey, o Atari e o Nintendo — que mais atraem a atenção dos visitantes.

Mesmo com tecnologia para muitos arcaica, videogames antigos reúnem milhões de fãs, e há quem invista para ter sua máquina em casa (Foto: Max Gallão Mesquita)

O Museu do Videogame já percorreu mais de 20 estados brasileiros e foi visitado por mais de 20 milhões de pessoas. Mas o professor quer mesmo é estar perto da paixão de sua vida: a máquina de fliperama.

“Comecei ainda menino, lá pelos 10 anos. Fiz algumas coisas sabendo que eram erradas. Aprendi truques para jogar de graça. Um deles era furtar o lacre de chumbinho que trava extintores. Pegava o pedaço com chumbinho, depois usava um martelo e uma ripa de madeira. Dava um golpe para criar um sulco na madeira, colocava o chumbinho com uma colher e derretia com isqueiro. Quando secava, virava uma ficha”, conta.

Com o tempo, a Taito, principal fabricante, mudou o sistema de inserção das fichas, criando ranhuras. O professor descobriu que, ao usar um magiclick — acendedor de fogão — na direção onde a ficha cairia, conseguia ativar créditos.

“Fiquei famoso. Quebrava recordes nos fliperamas do Centro. No ‘Space Invaders’, era o recordista número 1 das máquinas dos vários flipers na região. Foram anos de fama e respeito. Quem jogava sabia quem eu era”, lembra.

O tempo passou. Formou-se em línguas e tornou-se professor de inglês. Casou-se e, na primeira oportunidade, comprou uma máquina de fliperama para ter em casa. “Aprendi na raça a improvisar peças que deixaram de ser fabricadas com o tempo. Depois, comprei mais uma. Na maioria dos meus finais de semana, fico jogando. Minha primeira esposa se separou de mim por causa do fliperama. Larguei ela, mas não largo a máquina.”

Ele não é o único com essa paixão. Até hoje são realizados campeonatos mundiais de pinball. O mais recente, a 20ª edição do Campeonato Mundial de Pinball da IFPA (International Flipper Pinball Association), aconteceu em Flippnicd, Áustria, entre 27 e 29 de junho deste ano. Os 80 melhores jogadores, de mais de 20 países, participaram do evento.

Videogames

O administrador de empresas Rodolfo Simões, de 40 anos, cresceu entre discos de vinil e videogames. É óbvio que ele consome tecnologia, seja no trabalho, seja no cotidiano de sua vida. Mas nunca rompeu os laços com o passado.

“No mundo em que vivemos, sob o domínio dos smartphones, com acesso instantâneo a qualquer tipo de diversão e entretenimento, o ato de apreciar uma música em um disco de vinil, ou jogar um videogame antigo, com poucos recursos visuais, é muito mais do que uma simples nostalgia. Para mim, trata-se, na verdade, de uma reconexão com o nosso ritmo biológico adequado”, explica Rodolfo.

“Até o bom e velho Mario hoje em dia está em 3D, com vozes e tudo mais. Mas, mesmo nos Marios atuais, são colocados desafios em 2D, tamanho o primor dos jogos do passado. Não largo por nada”, diz o administrador de empresas Rodolfo Simões (Foto: Arquivo Pessoal)

Para ele, ao escolher um disco para escutar, não será possível trocar de música a cada 30 segundos. “Não existe o botão ‘next’. Posso até começar por uma música específica, mas, dali para frente, é na ordem que o artista escolheu.”

A sensação de Rodolfo é a mesma ao jogar um videogame antigo. “Não é um passatempo qualquer de 5 minutos na sala de espera de um consultório médico. É uma escolha consciente, para uma diversão de algumas horas”, entende o administrador de empresas.

A paixão pelos antigos consoles o levou a comprar consoles como o Nintendo e o Atari em plenas condições de funcionamento. Assim, pode ter a mesma emoção de jogar que tinha aos 5 ou 10 anos de idade.

“Mario Bros, Donkey Kong ou Megaman? A ‘simples’ escolha entre essas opções já gera uma conexão, já fico empolgado com as fases e os ‘chefões’ que virão pela frente”, relata Rodolfo.

Mas é evidente que ele tem seu preferido. Não por acaso, o primeiro jogo que ele completou todas as fases até o final, aos 7 anos.

“Eu, particularmente, me conecto mais com o Mario Bros mesmo. Aquele clássico do Super Nintendo que, aliás, é meu console predileto até hoje. Acho um jogo perfeito. Os tipos de desafios, o nível de dificuldade, as cores, os comandos possíveis, as viagens no tempo e nos mundos imaginários, tudo isso em um visual 2D de antigamente. Já ‘zerei’ todos eles. Claro que as coisas evoluem, e até o bom e velho Mario hoje em dia está em 3D, com vozes e tudo mais. Mas, mesmo nos Marios atuais, são colocados desafios em 2D, tamanho o primor dos jogos do passado. Não largo por nada”, garante Rodolfo.

Embalos de sábado à noite

A professora de música e musicista Mariana Araújo, aprovada em concurso, deixou Ribeirão Preto e foi para São Carlos. Durante a semana, mora e trabalha na cidade a 100 km de Ribeirão Preto.

A professora de música Mariana Araújo: “O bar [karaokê] parece estar por lá desde antes de a gente nascer! Foi pura nostalgia” (Foto: Arquivo Pessoal)
Aos finais de semana, volta e, sempre que pode, vai a um local, no mínimo, inusitado para pessoas como ela, aos 32 anos. Apesar de ser professora de música, no tempo livre procura lugares aconchegantes e acolhedores para cantar com os amigos, que não são profissionais da música. Em sua turma, tem arquiteta, administrador, médico, professora, geóloga. Eles encontraram alegria em reviver a atmosfera dos karaokês, que tanto sucesso fizeram nas décadas de 1980 e 1990, e as reuniões ficaram mais divertidas.

“A nossa surpresa foi encontrar esse espaço em um karaokê na avenida 13 de Maio: o bar parece estar por lá desde antes de a gente nascer! Foi pura nostalgia: os azulejos preto e branco no balcão, o globo de luzes e até o cardápio, com lanches e porções mais clássicos, e os drinks que a gente não podia beber quando era criança, que povoavam os restaurantes na nossa infância”, descreve.

A possibilidade de conviver com pessoas anônimas que se tornam tão próximas também ao dividirem o mesmo gosto é algo que caiu no gosto de Mariana.

“A melhor parte, com certeza, são as pessoas: muitos dos clientes que vão lá cantar já frequentam faz décadas e, hoje em dia, são ótimos cantores, mas não deixam de incentivar todos a cantar do seu jeito e no seu próprio repertório. O ambiente é uma mistura alegre de novidades e nostalgia! É tão agradável que até meu aniversário comemorei por lá”, lembra.

Com a tecnologia, o grupo poderia ter a diversão sem sair de casa. Mas talvez não fosse a mesma coisa.

“No fim das contas, apesar de um amigo ter todo o equipamento para fazer karaokê em casa, não deixamos de visitar esse bar de tempos em tempos porque esse ambiente mais retrô, menos focado nas redes sociais e com pessoas de todo tipo é divertido de um jeito único”, encerra Mariana.

Fã alucinado dos “bolachões”

Jornalista, guitarrista e vocalista, Renato Simões leu uma frase, aos 17 anos, que dizia algo como “sem música, a vida seria um erro”. Ele não sabe quem é o autor, mas isso tornou-se um mantra em sua vida.

“Tenho 33 anos e, pelo menos há 33 anos, sou fissurado por música. Veja, não é uma paixão qualquer. É uma coisa que toca minha alma. Tem aquela música que arrepia, aquela que ajuda nos momentos difíceis, aquela que acompanha um happy hour, aquela que faz a gente chorar de saudade, a que faz chorar de felicidade. Música é minha vida e talvez sempre tenha sido”, observa.

A paixão por discos de vinil surgiu em casa. Por volta dos 5 anos, vasculhava os discos do pai e se encantava com tudo, das músicas ao trabalho visual. “Me chamava muito a atenção aquele discão na minha frente, com uma capa que sempre trazia algum significado. Talvez pra mim, quando criança, era um significado diferente do que o artista queria transmitir. Mas música é isso: inúmeros significados.”

No final das décadas de 1990, os discos de vinil perderam espaço nas prateleiras, dando lugar aos CDs, que vinham sem o chiado clássico tão comum nos vinis. Renato é irmão mais novo do administrador de empresas Rodolfo, que contou sua história com videogames — e também discos de vinil. Mesmo com a tecnologia, os dois nunca abandonaram os chamados “bolachões” (na gíria dos mais velhos).

Para o jornalista Renato Simões, “botar a agulha na beirinha, equalizar o som, ajustar o volume, sentar no sofá, ficar manuseando aquela capa, lendo tudo o que está escrito ali, fechar os olhos e prestar atenção nos mínimos detalhes é uma conexão com a divindade” (Foto: Arquivo Pessoal)

Com 18 anos, foi trabalhar em uma loja de eletrônicos e, no estoque, encontrou algumas pick-ups (toca-discos) da Sony, que foi uma das grandes fabricantes dos equipamentos. Eram os cinco em um (rádio AM/FM, deck de fitas cassete, bandeja de CD e pick-up de LP em cima). Negociou com o patrão e comprou logo dois equipamentos.

“A partir dali, com os poucos conhecimentos em eletrônica, fiz as famosas adaptações à brasileira (leia-se gambiarras) para aquilo funcionar. Deu certo! Discos de Raulzito e Os Panteras, Camisa de Vênus, Johnny Rivers, Creedence Clearwater Revival, Dire Straits, Paul McCartney, até o maluco do Lou Reed. Tudo relíquia da coleção pessoal do meu pai, que sobreviveu ao tempo e até a algumas enchentes que enfrentamos. Tudo funcionando liso, sem riscos, sem pular faixas, com aquele som gostoso que só o analógico pode proporcionar”, relembra.

Mas Renato viveu o divisor de águas. O irmão Rodolfo foi morar sozinho em seu regresso ao Brasil, depois de passar quase dois anos morando na Austrália e África do Sul.

“Me vi então, aos 21 anos de idade, fazendo a partilha de bens com meu irmão mais velho, o Rodolfo. Ele escolhia um, eu escolhia outro. Quando eu abria mão de um, ele liberava que eu escolhesse os próximos dois. E assim foi. Minha coleção começou dessa forma, dividindo o que já tínhamos em casa, guardado a seis chaves (se fossem sete, não teríamos partilhado os discos)”, brinca.

Aos poucos, investiu na coleção e no equipamento. Ligou a pick-up a um amplificador de guitarra. “Depois, quando fui morar com minha namorada (hoje esposa, Andrezza), comprei um aparelho de som e um amplificador próprio para poder ouvir tudo. Depois, consegui um belo receiver Gradiente, coisa rara, todo analógico, com uma pick-up Technics, padrão europeu de qualidade.”

Aos poucos, adaptou todo o sistema de som em sua casa, para que os CDs fossem ouvidos em um aparelho de som e os discos em outro. Comprou várias caixas de som especiais e unificou seu sistema.

“Dessa forma, o que quer que ouça hoje — rádio, CD ou disco de vinil — é transmitido em seis caixas. Cada uma com uma qualidade diferente da outra. Explico: umas caixas transmitem melhor o agudo, enquanto outras são melhores no grave e as demais trazem o balanço certeiro com os médios.”

Com tudo funcionando, passou a aumentar sua coleção de vinis. Tem mais de 100 discos, garimpados em sebos e vendedores online.

Vinis, CDs e novas tecnologias podem conviver em harmonia. (Foto: Renato Simões/Arquivo pessoal)

“The Clash, Nirvana, Paul McCartney, o disco triplo de George Harrison, alguma coisa do John Lennon, talvez uma relíquia do Guilherme Arantes ou do Ray Charles. Difícil dizer o preferido, mas todos têm o mesmo espaço compartilhado no meu coração.” Sua coleção está avaliada em R$ 25 mil.

Colecionar discos, segundo Renato, o fez valorizar ainda mais a música. “Isso se traduz em uma das minhas bandas, o Innoperantes. É uma banda punk que traz muita mistura de música brasileira e até outros estilos. Cada frase que eu escrevo, eu já estou pensando na batida da bateria, no que deveria ser a guitarra e imaginando como tudo isso poderia soar num equipamento de som igual ao que tenho em casa.”

Além disso, Renato também é líder de outra banda, a Kubanacan Trio, que faz tributo ao rock dos anos 1990, e muitas músicas são tiradas a partir dos discos de vinil. “Loucura, né?”, indaga.

Apesar desse amor e nostalgia tão evidentes, Renato sabe que a tecnologia não pode ser desprezada por quem cultua o melhor do passado. Como jornalista, ele sabe que é quase impossível fazer assessoria de comunicação sem usar alguma ferramenta tecnológica.

“Mas tem horas que o analógico supera. E digo com tranquilidade que comprar um disco na loja, chegar em casa, botar a agulha na beirinha, equalizar o som, ajustar o volume, sentar no sofá, ficar manuseando aquela capa, lendo tudo que está escrito ali, fechar os olhos e prestar atenção nos mínimos detalhes é uma conexão com a divindade.”

Mesmo na música, Renato sabe que as plataformas digitais revolucionaram o simples fato de ouvir uma música. “Não sou hipócrita em dizer que não consumo o digital. O Spotify faz parte das contas aqui de casa. Mas, geralmente, a gente ouve no trânsito, indo para o trabalho, até mesmo na Alexa enquanto tá cozinhando. É bom também, mas não chega a ser a perfeição que é colocar aquele bolachão na pick-up e só curtir”, conclui Renato.

 

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