Tribuna Ribeirão
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Divagações nas noites eternas

Edwaldo Arantes *
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Em uma noite longa daquelas em que as paredes parecem deslocar chegando cada vez mais perto prestes a sufocar, reina o silêncio do nada, apenas as batidas do coração são perceptíveis.

Recebi uma mensagem via este estranho meio de comunicação, onde participo, mas confesso, atrai-me quase nada.

Aquele sinal irritante às três horas da madrugada, ainda adepto do selo, pombo-correio, bilhetes anônimos enviados pelos correios elegantes nas quermesses, do tambor e da fumaça ou ainda, atualmente, “torpedos” entregues pelo furtivo e discreto garçom.

Uma notívaga como eu, identificando-se como minha leitora, achei meio intrigante mas, interessei-me.

Explicou que reside em “Vila Rica do Pilar”, a secular Ouro Preto, dedica-se ao cargo de acadêmica na Universidade Federal de Ouro Preto exercendo sua cátedra na cadeira de literatura portuguesa, confessou que ao ler um livro, lembrou-se dos meus textos.

Descreveu um belo e enigmático trecho de uma obra do brilhante escritor nascido em Vitória de Santo Antão, pertinho da Recife de Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Solano Trindade, Carlos Pena Filho e tantos outros.

“Permanece fechada a janela ante a qual ficam as descoradas poltronas de damasco, a mesinha de centro e o sofá com forro de veludo ouro. A outra, aberta, ilumina a longa mesa posta: sobre pequenas toalhas ovais, vermelhas, azuis e verdes, entre a louça e os talheres, dois castiçais, uma garrafa de vinho e um vaso com dálias amarelas. Palavra e corpo, o rosto”. Osman Lins, “Avalovara”, Editora Melhoramentos.

Agradeci constrangido, não posso nem sequer sonhar ser comparado ao talento do escritor, dramaturgo e professor universitário pernambucano.

Sou apenas “um pobre amador”, um simples e obscuro rapaz das Minas Gerais tentando tecer palavras que, no fundo, as ignoro.

Sobre a pequena mesa do vazio do meu quarto, duas garrafas do tinto português, uma pela metade a outra a esperar o vinho que consola e acalma. In vino veritas”

De gole em gole, lembrando da leitora, pus-me a pensar sobre minha petulância e coragem em escrever.

A Chuva caindo entre as plantas abandonadas e solitárias de um jardim sem dono, a cabeça quase em torpor tentando dissipar os lampejos, projetando seus olhos verdes imóveis a penetrarem fundo,  minha solidão.

A noite segue, a chuva intermitente insiste, importa-se pouco ou quase nada comigo, deve ter ocupações mais importantes do que se preocupar com minha vida ou o que sinto, sou insignificante a ela, bem como, minha trajetória.

Assalta-me a coragem e começo a escrever, palavras brotam sem que as provoque ou entenda, surgem como os suores ou as cicatrizes da existência.

A caneta gasta procurando deslizar sobre a folha alva, esperando ser regada com a tinta inútil.

Sem pensar em nada descrevo um mundo que desconheço, a taça acompanha-me, gosto dela, não incomoda.

Nunca diz pelas manhãs mal humoradas nas ruas, filas ou elevadores. Bom dia! Como vai o senhor? Será que chove? Quantas horas são? Que calor, poxa vida hein!

Isento-me por educação a responder irritado, apenas uma simples deferência e um sorriso disfarçado aos lábios.

Sinto uma brisa ausente que afaga impossibilitada em curar os males da alma, lembranças incomodam acordando fatos, momentos e instantes perdidos e confusos na memória.

Parecem existir para explicar e justificar os infortúnios, recheados de tropeços, desgostos, alegrias, tristezas e realizações,  pelos longos caminhos percorridos.

O passado misturado ao presente, verdades nuas e cruas, não existe remorso ou contentamento, apenas a vida que transcorre calma ou em turbilhão.

Tentamos controlar, mas, como a fonte a correr sem parar deixando apenas lembranças e estas, não correm.

“O amor é um precipício. A gente se joga nele e, torce, para o chão nunca chegar.” Osman Lins, in, “Lisbela e o Prisioneiro”.

* Agente cultural

 

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