Rodrigo Gasparini Franco *
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A questão sobre a possibilidade de provar a existência de Deus atravessa séculos de debates filosóficos, teológicos e científicos, permanecendo como um dos temas mais instigantes da história do pensamento humano. Desde a Antiguidade, pensadores buscam argumentos racionais que possam fundamentar a crença em uma realidade transcendente, enquanto outros sustentam que a fé é, por definição, alheia à demonstração lógica. No contexto cristão, especialmente, essa discussão ganha contornos próprios, envolvendo tanto a tradição bíblica quanto a filosofia escolástica, com destaque para as reflexões de São Paulo e de São Tomás de Aquino.
Na Epístola aos Romanos, capítulo 1, versículo 20, São Paulo afirma: “Pois desde a criação do mundo, os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis.” Com essas palavras, o apóstolo sugere que a existência de Deus pode ser percebida, ainda que de modo indireto, através da contemplação do universo e de suas maravilhas. Para São Paulo, a ordem, a beleza e a complexidade do mundo natural são sinais evidentes de uma causa suprema, de modo que a ignorância ou a negação de Deus não se justificariam diante da clareza desses indícios. Essa perspectiva inaugura uma tradição de pensamento que busca, na observação da realidade, argumentos para a existência de um Criador.
Séculos depois, São Tomás de Aquino, um dos maiores expoentes da filosofia medieval, sistematizou essa busca em sua obra “Summa Theologica”, apresentando as chamadas “cinco vias” para demonstrar racionalmente a existência de Deus. São Tomás parte do princípio de que a razão humana, embora limitada, é capaz de chegar ao conhecimento de Deus a partir da análise do mundo sensível. Suas cinco vias são, portanto, tentativas de mostrar que a existência de Deus não é apenas um artigo de fé, mas pode ser sustentada por argumentos filosóficos sólidos.
A primeira via é a do movimento. São Tomás observa que tudo o que se move é movido por outro, e que não é possível uma regressão infinita de motores. Portanto, deve haver um primeiro motor imóvel, que é Deus. A segunda via é a da causalidade eficiente: tudo o que existe tem uma causa, e, novamente, não se pode admitir uma cadeia infinita de causas; logo, deve haver uma causa primeira, não causada, que é Deus. A terceira via é a da contingência: as coisas do mundo são contingentes, ou seja, podem ou não existir. Se tudo fosse contingente, poderia ter havido um tempo em que nada existisse, mas, como algo existe, deve haver um ser necessário, cuja existência não depende de outro, e esse ser é Deus.
A quarta via é a dos graus de perfeição. São Tomás nota que há graus de qualidades como bondade, verdade e nobreza nas coisas. Esses graus pressupõem a existência de um ser que é a perfeição máxima dessas qualidades, servindo como referência absoluta, e esse ser é Deus. Por fim, a quinta via é a da finalidade ou do governo do mundo. O filósofo observa que seres desprovidos de inteligência agem de modo ordenado, visando a fins, o que sugere a existência de uma inteligência suprema que ordena todas as coisas para um propósito, identificada como Deus.
Apesar da sofisticação desses argumentos, a questão permanece aberta. Muitos filósofos modernos e contemporâneos questionam se tais vias realmente provam a existência de Deus ou apenas apontam para a plausibilidade de um princípio ordenador. Outros argumentam que a experiência religiosa, a fé e a revelação transcendem o âmbito da razão pura, tornando a existência de Deus uma questão que escapa à demonstração lógica. Ainda assim, tanto a reflexão paulina quanto as vias tomistas continuam a inspirar debates, mostrando que a busca por Deus, seja pela razão ou pela fé, é uma das mais profundas expressões do espírito humano.
* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)