Tribuna Ribeirão
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E tudo acabará em cinzas

Luiz Paulo Tupynambá *
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Entendo tanto de segurança pública quanto entendo de mecânica quântica e sua influência sobre as marés em Alfa Centauri. Mesmo assim, sou um ser humano que habita esta região do universo por nós conhecida como Sistema Solar. Aqui na “terceira pedra antes do sol”, como a nomeava Jimi Hendrix. Mais precisamente na terra da “mãe gentil (nem tanto) dos filhos desse solo…”. Aqui onde moro, em dias como os desta semana, já não me sinto bem. Vendo cenas de corpos abandonados no meio do mato por agentes do estado, trazidos por homens e mulheres anônimos e sendo colocados lado a lado, seminus, no meio de uma praça à espera que parentes ou amigos os reconheçam e tragam um pouco de civilidade para aqueles corpos.

Se eram criminosos ou não, se enfrentaram os policiais de arma na mão, não sei dizer. Mas corpos de vítimas de um enfrentamento mortal entre estado e cidadãos não podem ser abandonados assim. Nem nas guerras existe isso. Mais uma desumanidade que acontece nessa cidade maravilhosa, ora sob o comando de criminosos organizados, ora por ações destemperadas e sensacionalistas das autoridades policiais. Nessa hora a cidade mostra outra face, esta horrorosa e expõe sua podridão interna. O crime organizado torna a cidade perigosa para seus cidadãos e visitantes. E o estado, em vez de mostrar serenidade e competência para combatê-lo, copia-o em sua funesta eficiência.

Não é culpa dos cariocas verdadeiros, uma gente alegre, calorosa, divertida e amiga. São imagens que fazem parte de um repertório repetitivo. Há muito tempo assisto na TV a invasões policiais nos morros cariocas. Nas décadas de 70, 80, 90 do século XX. Depois, anos 2000, anos 2010 e agora, após 2020. Vi o mesmo filme em 2021 (Jacarezinho, 28 pessoas mortas, sendo 27 civis e 1 policial) e em 2022 (Vila Cruzeiro, 23 pessoas mortas). Nem mesmo a ADPF 635 do STF, conseguiu conter os excessos cometidos pelo estado fluminense contra as comunidades pobres da cidade. O corolário de toda essa insanidade moral e incompetência profissional, travestida de “eficiência policial” e “coragem do governador para combater o crime”, veio na forma do morticínio no Complexo do Alemão, com 121 mortos.

Lembro-me de ter visitado o Rio de Janeiro e até ter residido lá por algum tempo, entre 2008 e 2011. Na época estavam sendo implantadas as UPPs, que ajudaram a diminuir, e muito, a violência na cidade. Elas basearam-se no exemplo da pacificação da Comuna 13, em Medellín, na Colômbia. Cidade com uma topografia semelhante a do Rio de Janeiro, foi dominada pelo narcotráfico por décadas. Era a cidade do Pablo Escobar. De uma das comunidades mais violentas do mundo, a Comuna 13 se transformou em exemplo de retomada do Estado de áreas antes ocupadas pelo crime. Isso foi conseguido com a construção de acessos facilitados, incluindo escadas rolantes e um teleférico (que inspirou o teleférico instalado no Complexo do Alemão, que está quebrado desde 2019), saneamento básico, escolas-modelo, fomento ao empreendedorismo comunitário, serviços de saúde completos, e claro, bases da polícia comunitária em pontos estratégicos.

Em 2007, uma comissão carioca, incluindo policiais graduados, ficou meses por lá, estudando essa experiência colombiana e que inspirou o projeto das UPPs. Mas nosso eleitoralismo acabou com as UPPs e tudo voltou a ser como dantes. Isto é, tropa subindo o morro e tacando o terror na comunidade. Sempre tem um dia de cinzas, para acabar com as coisas boas, não é mesmo?

Sim, vejo essa política de invasão, enfrentamento e abandono sendo aplicada no Brasil desde a década de 70. Se não deu certo até hoje, amigo, só um imbecil ou aproveitador da situação para acreditar que agora vai.

Esse jeito troglodita de enfrentar o crime organizado, que torra bilhões em viaturas, armas, munições e soldos, é meio de vida para muita gente que se aproveita disso política e economicamente. É uma instrumentalização política que se retro-alimenta com ações como esta no Rio de Janeiro. É o Necro Estado fingindo que sabe controlar o crime. E nós, cidadãos no meio do fogo cruzado, só desejamos o Estado de Direito. Nada mais.

* Jornalista e fotógrafo de rua

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