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Educação Antirracista Não é Ameaça — A Ameaça é o Silêncio

Foto: Arquivo

André Luiz da Silva *
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Entre tantas atividades significativas que vivi neste mês, algumas se destacaram pela força transformadora que carregam. Participei do Projeto Vozes da Diáspora,no Sesc Ribeirão, do FestivalAfroviva, realizado pela Secretaria Municipal de Cultura e CONDEPIR, que homenagearam Adria Bezerra, Mãe Neide, Macalé, Maria Helena Ramos de Oliveira, José Carlos Barbosa, Regina Brito e Seu Nascimento. Some-se a isso uma conversa inspiradora com os alunos da PEI EE Prof. José Lima Pedreira de Freitas e uma entrevista no Programa Estúdio Th+, com José Fernando Chiavenato. Foram momentos que não apenas informaram, mas tocaram profundamente.

Aprender com Cristiane Sobral sobre como não reproduzir práticas racistas, reencontrar lideranças negras com quem já caminhei na educação, na cultura, na saúde e no movimento sindical, e dialogar com crianças da rede pública tão bem orientadas por docentes comprometidos foi emocionante. Cada troca — seja na escola, no teatro ou na mídia — reafirma que espaços de fala qualificada precisam ser vividos e compartilhados diariamente, não apenas na Semana da Consciência Negra, mas em todos os dias em que desejamos construir uma sociedade mais justa.

Muito se fala sobre o mito da democracia racial, essa narrativa fantasiosa que tenta nos convencer de que o racismo não existe no Brasil. Uma ideia criada para suavizar a realidade e ocultar desigualdades profundas. Mas, diante do racismo cotidiano, essa farsa desaba rapidamente.

Um exemplo gritante é o ataque constante à Lei Federal 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana. Recentemente, vimos um pai acionar a polícia por causa do desenho de um orixá. Policiais armados — inclusive com metralhadora — entraram em uma escola municipal de educação infantil, coagindo profissionais que estavam apenas cumprindo o currículo e promovendo educação antirracista.A incoerência é evidente: estudamos com naturalidade mitologias grega e romana; falamos diariamente de Apolo, Júpiter, Afrodite, Netuno; citamos figuras do catolicismo, do budismo, do protestantismo e de tantas outras tradições. Contudo, quando o tema envolve religiões de matriz africana, seus líderes são criminalizados e suas práticas demonizadas. Isso revela um racismo religioso ainda profundamente enraizado.

Nesta semana de consciência, o Brasil inteiro se mobilizou: homenagens, debates sobre o genocídio da juventude negra, defesa do SUS com recorte étnico-racial, fortalecimento de políticas antirracistas na segurança pública, na educação e na representação política. Ao mesmo tempo, celebrações culturais resgataram tradições afro-brasileiras e destacaram artistas contemporâneos que, com sensibilidade ou contundência, expressam a potência da nossa ancestralidade.

Vivemos um tempo paradoxal: nunca houve tanta visibilidade negra, especialmente no rádio, na televisão e nas redes sociais, e, ao mesmo tempo, nunca se viram tantos ataques. O racismo, antes velado, agora se exibe sem pudor, alimentado pelo anonimato, pela mentirosa interpretação do que é liberdade de expressão e pelas Fake News.Mas se o ódio se intensifica, a resistência também se amplia.

A liderança de Zumbi, Dandara e de tantos outros ancestrais segue nos guiando. As novas gerações negras ocupam espaço em todos os setores — com talento, competência, coragem e potência. O povo negro pode tudo. Pode mais. Mas, para que esse poder floresça plenamente, é indispensável o combate diário ao racismo, ao preconceito e à discriminação.

E por isso, nesta Semana da Consciência Negra — e em todas as próximas — somos chamados a um movimento que começa dentro de cada um de nós:conhecer, compreender, agir.Sair do comodismo, abandonar a neutralidade, romper com a indiferença.Porque a transformação que queremos não nasce do discurso: nasce da escolha de cada dia.E, juntos, podemos escolher construir o país que a história nos deve — e que o futuro exige.

* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista

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