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Espírito Criativo e Grande Literatura nas palavras de Harold Bloom

O termo cânone deriva da palavra grega “kanon”, que, na época, condizia com uma espécie de vara com funções de instrumento de medida. Com o passar do tempo, seu significado evoluiu para padrão, ou modelo, a ser aplicado/praticado como norma. Sua primeira utilização significando relação de obras reconhecidas? Ocorre com a lista de Livros Sagrados que a Igreja cristã homologou como sendo transmissora da palavra de Deus, ou seja, capaz de representar a verdade e a lei que devem servir de alicerce para a fé, regendo o comportamento da comunidade de cristãos. Entretanto, há que se considerar, neste contexto, a rejeição de obras apócrifas, ou seja, de autoria duvidosa, que orientou o cânone bíblico a se tornar fechado, distinguindo-se do cânone teológico, ao qual a Igreja Católica, pelo processo chamado canonização, periodicamente acrescenta novos indivíduos.

A partir do Renascimento, o termo passa a ser aplicado aos domínios da literatura, muitas vezes sob a forma de expressões como “os clássicos” ou “as obras-primas”, levando a visibilidade crítica sobre o mesmo se voltar para o designativo papel de “mercadorias” economicamente lucrativas. A que vem isso? Ao fato de Walt Whitman e Herman Melville, Ralph Waldo Emerson e Emily Dickinson, Nathaniel Hawthorne e Henry James, Wallace Stevens e T. S. Eliot, Mark Twain e Robert Frost e William Faulkner e Hart Crane serem os autores norte-americanos que, elencados por um dos maiores estudiosos da literatura americana, Harold Bloom, a reafirmar, em “O Cânone Americano: o espírito criativo e a grande literatura”, seu papel essencial na vida do homem, seja para este melhor compreendê-la, seja para melhor problematizá-la.

Um trecho? “À exceção de T.S. Eliot, nenhum de meus doze acreditava em Deus ou em deuses e, quando falavam em “Natureza”, referiam-se ao Adão americano. Visão emersoniana, o Adão americano é o Deus-Homem do Novo Mundo. Criou-se a si mesmo e, se houve alguma queda, foi no ato da criação inicial. O que está além do humano, para quase todos esses escritores, é o demo, que vem descrito e definido ao longo de todo este livro. O elemento comum a esses doze escritores — embora disfarçadamente em Eliot — é sua receptividade ao influxo demônico. Henry James, mestre de sua arte, mesmo assim parabeniza seu demo pessoal pelo que há de melhor entre seus contos e romances. Emerson era o grande mentor do clã James, que incluía Henry James pai, o romancista Henry filho e o psicólogo-filósofo William, cujo ensaio “On Vital Reserves” [Sobre as reservas vitais] é um hino ao demo…”. Em nota explicativa, esclarece-se na obra que, foi adotada a tradução “demo” para daemon, o indivíduo que, “possuído pelo demônio”, dá vazão a algo que escapa à redução racional e se expressa como a autêntica criação estética.

Finalizando, afirma o autor que, “Aos 84 anos, só posso escrever tal como leciono, de maneira muito pessoal e passional. Poemas, romances, contos, peças só têm importância se nós temos importância. Oferecem–nos o venturoso dom de mais vida, quer iniciem ou não um tempo para além de qualquer fronteira”. Vale conferir.

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