Por Adalberto Luque
Ribeirão Preto vive uma grande ambiguidade. De um lado, todos os índices de criminalidade analisados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) tiveram redução de janeiro a outubro de 2025, período divulgado pelo órgão. A exceção ficou por conta dos estupros.
Desde que a série histórica passou a ser divulgada pela SSP, em 1º de janeiro de 2001, nunca se registrou tantos casos de estupro em Ribeirão Preto. Em 2025, a cidade registrou, de janeiro a outubro, 194 estupros no geral. Foram 58 casos de estupro contra mulheres e 136 casos contra vulneráveis, isto é, menores de 14 anos ou mulheres que não têm condições de consentir uma relação sexual, seja por problemas físicos, mentais ou temporários (como por uso de drogas ou álcool).
A cidade registrou a média de um estupro a cada 37 horas. Levando-se em conta que o estupro é um crime subnotificado, a situação pode ser ainda mais preocupante, afinal muitos dos casos acabam não sendo registrados.
Alguns porque a vítima tem vergonha. Outros porque, muitas vezes, ela sequer sabe que foi vítima de um crime. E há aqueles em que a pessoa, além de ter sido vítima de violência sexual, ainda é ameaçada pelo agressor.
Considerando o período já divulgado em 2025 pela SSP, o ano que havia registrado recorde anteriormente foi 2023, com 163 casos no período. Em comparação com o ano atual, os estupros cresceram, em Ribeirão Preto, 19%. Se a comparação for com o mesmo período de 2024, o crescimento é ainda maior: 26,8%.
Analisando as estatísticas, é possível constatar que duas regiões estão entre as que mais casos registram. São as áreas do 2º Distrito Policial (DP), nos Campos Elíseos, e do 5º DP, no Ipiranga, ambas na zona Norte. Cada uma registrou 40 casos em 2025.
Em seguida, aparece a região do 3º DP, com 29 casos de estupro. O DP que contabilizou menos casos em 2025 foi o 7º, de Bonfim Paulista. Foram seis no total. Em todas as regiões da cidade, o estupro de vulnerável é maioria nos registros.
No Brasil
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 indica que 2024 teve o maior volume já registrado de estupros e estupros de vulnerável: 87.545 vítimas, taxa de 41,2 por 100 mil habitantes e alta de 0,9% frente a 2023. Foram 20.350 vítimas de estupro e 67.204 de estupro de vulnerável. Entre 11 indicadores, sete cresceram, como estupro de mulheres, assédio, importunação e pornografia — esta com aumento de 13,1%. Tentativa de estupro e algumas modalidades ligadas ao estupro de vulnerável diminuíram, mas ainda com números altos.
A lei define estupro como conjunção carnal ou ato libidinoso mediante violência ou grave ameaça. No estupro de vulnerável, não há exigência de força, pois a vítima — menor de 14 anos ou incapaz — não possui discernimento. Essa categoria respondeu por 76,8% dos registros. Entre os Estados, Roraima teve a maior taxa total (137 por 100 mil), seguido por Acre e Rondônia. As menores foram no Ceará, Minas Gerais e Paraíba — esta com alta de 94,4%. Entre mulheres vítimas, Roraima, Acre e Amapá lideram.
Em volumes absolutos de estupro de vulnerável, São Paulo, Paraná e Pará aparecem no topo. A Paraíba teve o maior crescimento proporcional, acima de 100%, enquanto Amazonas, Roraima e Amapá também subiram. Na tentativa de estupro, Roraima e Amapá registraram as maiores taxas; Minas Gerais e Ceará, as menores. O perfil das vítimas de estupro total mostra predominância feminina (87,7%), idade entre 0 e 13 anos (61,3%) e pessoas negras (55,6%). A maioria dos casos ocorreu na residência (65,7%) e teve autores do núcleo familiar (45,5%).
Leis rígidas
O avanço da violência sexual levou à revisão da legislação. Relatora da proposta sancionada, a Delegada Katarina (PSD-SE) destacou a busca por “maior responsabilização penal” e disse tratar-se de um “verdadeiro pacote” de prevenção e punição. A Lei 15.280/2025 foi publicada na segunda-feira (8), após sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A norma aumenta penas para crimes sexuais contra menores e vulneráveis, que podem chegar a 40 anos, e cria o crime de descumprimento de medidas protetivas, punido com dois a cinco anos. Prevê coleta obrigatória de DNA e estabelece regras para Medidas Protetivas de Urgência, como suspensão de porte de arma, afastamento do lar, proibição de contato e restrição de visitas, com monitoramento eletrônico e alerta à vítima.
Na execução penal, o exame criminológico passa a ser obrigatório para progressão de regime ou benefícios, exigindo comprovação de ausência de risco de reincidência. A monitoração eletrônica também se torna obrigatória para condenados por crimes sexuais e crimes contra a mulher ao deixarem o presídio. O ECA amplia a atuação de órgãos de segurança e o atendimento médico, psicológico e psiquiátrico às famílias, além de campanhas educativas em escolas, unidades de saúde e espaços públicos. O Estatuto da Pessoa com Deficiência passa a garantir atendimento psicológico a familiares e atendentes.
Segundo a Fundação Abrinq, 2024 teve mais de 156 notificações diárias de violência sexual contra crianças e adolescentes, reforçando a necessidade das mudanças legais e do fortalecimento das redes de proteção.
Demais indicadores criminais
De acordo com os números divulgados pela SSP, entre janeiro e outubro de 2025, todos os demais indicadores tiveram redução em relação ao mesmo período de 2024. Os homicídios caíram 7,14%. Já as tentativas de homicídio tiveram redução mais acentuada, de 31,48%.
Latrocínios foram 66,6% menos. Roubos em geral tiveram queda de 30% e roubos de veículos de 8,3%. Roubos de carga marcaram a maior queda: 87,5%. Fechando os indicadores, furtos em geral tiveram retração de 14,14% e os furtos de veículo foram 6,6% menores em 2025, em relação ao mesmo período de 2024.

Se analisados por regiões, apesar da redução como um todo, algumas áreas tiveram alta em determinados indicadores. O 4º DP, por exemplo, que atende a zona Sul de Ribeirão Preto a partir do Jardim América, registrou alta em roubos (geral) e furtos de veículos. Em 2024 foram 107 casos de roubo, contra 132 neste ano. Já os furtos de veículo subiram de 330 para 342 em 2025. Mas, de forma geral, nada que ofusque as quedas nos índices de criminalidade.
Resta, agora, amparado pela lei que endurece as penas, reverter a questão dos crimes de estupro e estupro de vulneráveis. Crimes que, muitas vezes, evoluem até para o feminicídio. É verdade que, em muitos casos, não é possível prever e evitar, porque ocorrem, geralmente, na casa das vítimas e os agressores são pessoas próximas, como pais, padrastos, irmãos e outros parentes. Mas é preciso coibir essa prática, sobretudo aplicando as penas mais rigorosas e medidas para evitar reincidência, todas previstas na Lei 15.280/2025.
Reduções chegarão à casa de dois dígitos
Consultor e especialista em segurança pública, o coronel aposentado da Polícia Militar Marco Aurélio Gritti acredita que, ao final do ano, os crimes de furto e roubo e contra a vida devem chegar à casa dos dois dígitos de redução, mantendo-se a tendência de 2025. O consultor destaca que a redução histórica se dá porque a gestão de Segurança Pública é exercida por pessoas que não somente conhecem ações estratégicas de combate ao crime, mas, sobretudo, a realidade das ruas.
“Na nossa região, embora variações pontuais em cidades circunvizinhas, penso que a intensificação das ações preventivas e repressivas (produtividade policial), aliadas à implementação de ferramentas tecnológicas como Muralha Paulista, inteligência e integração das forças com a comunidade e demais órgãos (MP e Polícia Federal), alimentam esse resultado positivo.”
Segundo Gritti, os números de ocorrências com drogas, prisão por tráfico, armas de fogo apreendidas e inquéritos instaurados já superam os do ano passado, ressaltando-se que os demais indicadores estão próximos aos de 2024, faltando ainda o último mês deste ano. “Mesmo diante de uma legislação penal ineficaz, que fomenta a reincidência e a impunidade, o trabalho integrado traz resultados promissores.”

Quanto aos estupros, o coronel da PM ressalta que existe dificuldade em prevenir, pois mais de dois terços são praticados por autores que convivem com a vítima, assim como nos casos de feminicídio. “Diferentemente dos crimes patrimoniais, em que o criminoso age muitas vezes por oportunidade, no estupro e no feminicídio a proximidade com a vítima e a vontade livre em cometer o crime impedem que as ações preventivas (e repressivas, face à subnotificação) sejam eficazes. Nesses casos, ainda enfrentamos um triste fenômeno social em que todos os esforços não têm implicado na redução dos números”, observa.
O especialista também avalia que, como a cidade sofreu com a ação de criminosos em crimes que atraíram a atenção da mídia, esse fator implica na percepção de segurança das pessoas. “O cidadão exercita sua própria percepção com base naquilo que ocorre ao seu redor ou no que toma conhecimento. O importante é que a resposta do Estado seja célere para fomentar a sensação de segurança da comunidade e desestimular as organizações criminosas, tarefas as quais a legislação penal é incapaz de proporcionar”, conclui Gritti.
Trabalho integrado e ações estratégicas
A SSP atribui a redução dos indicadores ao trabalho integrado das polícias e ao reforço em ações estratégicas de prevenção, investigação e presença ostensiva. “Esse desempenho é reflexo da ampliação das operações qualificadas, do uso intensivo de tecnologia e da atuação orientada por inteligência policial. No período, cerca de 4.779 infratores foram presos ou apreendidos. As equipes também retiraram de circulação 291 armas de fogo (+17,3%) e recuperaram 534 veículos subtraídos”, informa.
A secretaria revela que segue investindo em modernização das estruturas, fortalecimento dos patrulhamentos e resposta rápida às demandas da população, o que garante a continuidade da queda dos indicadores e da sensação de segurança. Destaca que o enfrentamento à violência contra a mulher, incluindo estupros, é prioridade da pasta, por meio de diversas iniciativas mantidas.

“Entre elas, a Cabine Lilás, que já realizou cerca de 14 mil atendimentos a mulheres vítimas de violência em todo o Estado de São Paulo. Criada de forma inédita no âmbito do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom), a Cabine Lilás oferece atendimento humanizado por policiais femininas treinadas para acolher e orientar vítimas de violência doméstica. As agentes fornecem informações sobre medidas protetivas, canais de denúncia e serviços de apoio, além de despachar viaturas quando necessário. O projeto, inicialmente implantado na capital, foi ampliado para a Grande São Paulo e para o interior, com unidades nas regiões de Campinas, São José dos Campos, Bauru, São José do Rio Preto, Sorocaba, Presidente Prudente e Piracicaba.”
A SSP também ressalta a estrutura, com 142 Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs), além de salas DDM 24 horas nas delegacias, que totalizam 170 espaços em plantões policiais. Outra ferramenta da SSP é o aplicativo SP Mulher Segura, que permite registro de boletim de ocorrência e tem botão de pânico para pedir ajuda.

