Prof.ª Dr.ª Maria Helena da Nóbrega *
Basta sair um novo filme baseado em livro para começar a comparação. O que é melhor: o filme ou o livro? Se a conversa é sobregosto pessoal, há pouco a discutir. Um gosta mais do filme; outro gosta mais do livro. No entanto, a predileção por um ou por outro diz mais do enunciador do que das obras em si.
Como objetos artísticos, filme e livro não são muito comparáveis. A história no livro é feita de palavras, que juntas compõem sentenças, que somadas resultam em parágrafos, daí capítulos, em resumo: palavras que se somam a mais palavras, na luta incessante do escritor, como afirma Carlos Drummond de Andrade: “Lutar com palavras/é a luta mais vã./Entanto lutamos/mal rompe a manhã./São muitas/eu pouco./[…]” (O lutador).
No cinema, a mensagem resulta do diálogo entrefotografia (enquadramento, iluminação, movimentação da câmera), edição de som (música e efeitos sonoros), cenografia (cenário, figurinos, maquiagem, adereços), montagem (continuidade ou ruptura na narrativa), atuação dos atores, direção.
Difícil eleger um desses elementos como o mais importante na história e na construção do arco do personagem. Essas diferenças na produção levam a diferentes modos de recepção. No livro, a imaginação do leitor é mais acionada.
Por mais que o autor descreva as cenas e os personagens, a somatória das palavras + palavras + palavras só cria sentido na imaginação do leitor. No filme, o cenário está ali à frente, o personagem se concretiza nas expressões e gestos dos atores. É outra forma de inteirar-se da mensagem, ou seja: o meio é a mensagem, conforme Marshall McLuhan alertou na década de 1960.
Assistir ao filme ou ler o livro envolvem diferentes percepções da mensagem. Seria como comparar bolo de chocolate com mousse de limão: qual é mais gostoso? Depende do momento, talvez. Com café? O bolo. Na sobremesa? O mousse.
Ou tudo junto, dependendo da preferência pessoal, mas não tem um melhor. Baseado em livro ou não, no geral o filme parte de uma narrativa escrita – o enredo.
Filmes experimentais e documentários podem prescindir de roteiro, ou modificar grandemente o roteiro inicial. Como espectadores, não temos acesso ao enredo, apenas à sinopse, mesmo assim entendemos os filmes.
Ou seja: não precisamos ler o livro antes do filme, nem o contrário. São fruições diferentes, e toda boa adaptação é ao mesmo tempo fiel e infiel.
Podemos continuar comentando livros e filmes enquanto saboreamos bolo, mousse e café. Eles continuarão fincados na Semiótica, na narrativa literária e na estética cinematográfica.
* Professora aposentada da Universidade de São Paulo, na área de ensino de português para estrangeiros

