André Luiz da Silva *
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Mais do que um mero ajuste vernacular, urge reconhecer e internalizar a transformação legislativa que, nos tempos recentes, conferiu à pessoa idosa um arcabouço legal robusto. Esta legislação determina, de forma inequívoca, que a família, a sociedade e o Poder Público têm o dever de assegurar-lhe todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação comunitária, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida. O processo de envelhecimento, afinal, é uma questão de interesse social que exige conhecimento e informação por parte de todos.
Avanços palpáveis existem. Além da criação de juizados, promotorias e delegacias especializadas, os processos judiciais ganharam prioridade de tramitação, e benesses como filas preferenciais em Unidades de Saúde, bancos e supermercados, além de vagas especiais em estacionamentos, tornaram-se garantias.
Na prática, porém, esse rol de “vantagens” parece pouco para uma população que beira os 35 milhões de indivíduos com 60 anos ou mais – cerca de 16% do total do país. Para concretizar a justiça social, é fundamental que compreendamos a diversidade desse vasto contingente.
Se, de um lado, encontramos o sênior superativo, trabalhando, lotando bailes, praticando esportes, frequentando academias e viajando pelo mundo, de outro, temos o cidadão que sobrevive com uma mísera aposentadoria ou pensão, muitas vezes coagido a sustentar filhos e netos, vítima de golpistas como os do escândalo do INSS ou aquele que vive em situação de abandono total, submetido a péssimas condições em serviços de atendimento que são fechados diariamente em todo país.
As manchetes estão repletas de exemplos de pessoas que, por ignorância ou má-fé, abrem estabelecimentos e recebem indivíduos vulneráveis sem a estrutura mínima para cuidar e proteger. Alguns responsáveis acabam presos, outros fogem, e por vezes, a responsabilização familiar é acionada, gerando uma mobilização pontual para o devido acolhimento.
Mais do que uma comunidade meramente reativa, carecemos de políticas públicas efetivas para essa demanda crescente e universal. Afinal, a finitude da vida nos reserva dois caminhos: morrer ou envelhecer. Se envelhecermos, inevitavelmente teremos necessidades sociais e de saúde que precisam ser atendidas.
A via da culpabilização, embora seja a mais rápida e fácil, nos obriga a uma reflexão objetiva: como, de fato, temos tratado nossos pais e avós? E, de forma ainda mais premente: como seremos tratados por nossos filhos e netos?
Espero que o Brasil não experimente o fenômeno triste e complexo que o Japão enfrenta, conhecido pelo termo Kodokushi, que significa literalmente “morte solitária”, onde idosos, morrem sozinhas em suas casas ou apartamentos e seus corpos só são descobertos muito tempo depois, às vezes semanas ou meses.
No cenário ideal, a pessoa idosa é amada e compartilha seu conhecimento. Na prática, contudo, muitos são tratados como um estorvo. Trocar fraldas, gerenciar horários de refeições e medicamentos, auxiliar na locomoção e nas tarefas diárias é, sim, obrigação primeira dos parentes. Mas como exigir isso de indivíduos que mal dão conta de cuidar de si próprios? A sociedade, construída sob a égide da competição e do individualismo, tem tempo e espaço para os seus longevos?
A resposta exige que cobremos do Estado, que se mostra ágil para punir o descaso, mas notoriamente lento para implementar as ações públicas capazes de resolver o tema de forma estrutural. Mais do que indignação e revolta passageiras, precisamos de conscientização e atitude para que a parte final da nossa jornada não seja marcada apenas por dores e dificuldades, mas também por suas delícias e recompensas.
* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista

