Rodrigo Gasparini Franco *
A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento com impacto direto na tributação de heranças e na segurança jurídica dos contribuintes. Ao julgar o Recurso Especial 1.736.600, o colegiado definiu que o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre bens e direitos transmitidos por herança só pode incidir quando houver valorização em relação ao valor declarado pelo falecido em sua última declaração de Imposto de Renda.
A simples transferência de titularidade de cotas de fundos de investimento aos herdeiros, mantendo-se o chamado valor histórico, não configura fato gerador do tributo. O caso teve origem em mandado de segurança preventivo impetrado por herdeiros contra a Fazenda Nacional.
Eles buscavam impedir a retenção de IR na fonte sobre cotas de fundos de investimento recebidas por sucessão causa mortis, sem resgate ou alienação, utilizando para fins fiscais o mesmo valor constante da declaração de bens do autor da herança. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região havia decidido pela incidência do imposto mesmo nessa situação, com base em interpretação ampliativa do conceito de “alienação” previsto na Lei 8.981/1995 e no Ato Declaratório Interpretativo RFB 13/2007.
Ao analisar o recurso, a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, reformou o entendimento do TRF-4. Em seu voto, destacou que o fato gerador do Imposto de Renda exige acréscimo patrimonial efetivo, conforme o artigo 43 do Código Tributário Nacional.
No contexto sucessório, a legislação específica afasta a incidência de IR sobre o valor dos bens recebidos por herança, admitindo tributação apenas em caso de ganho de capital, ou seja, quando a transmissão ocorre por valor de mercado superior ao declarado pelo falecido.
A decisão, ao reafirmar esse critério, traz um balizamento objetivo que aumenta a segurança jurídica dos contribuintes e limita a margem de interpretação do Fisco. O acórdão se amparou principalmente no artigo 6º, inciso XVI, da Lei 7.713/1988, que isenta do IR o valor dos bens adquiridos por herança, e no artigo 23 da Lei 9.532/1997.
Este último permite que bens e direitos transmitidos em sucessão sejam avaliados, à escolha dos sucessores, pelo valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus. Quando se opta pelo valor de mercado, a diferença positiva em relação ao valor histórico é que se sujeita à incidência do IR, à alíquota de 15%.
Se a transferência é feita pelo valor histórico, não há diferença a tributar, inexistindo ganho de capital e, portanto, fato gerador do imposto. Para a 2ª Turma, a interpretação da Receita Federal, que pretendia tributar a simples transferência de titularidade das cotas, conflita com o desenho legal da sucessão.
A aplicação do artigo 65 da Lei 8.981/1995, que define “alienação” em sentido amplo para fins de tributação de aplicações financeiras, não pode se sobrepor ao regime específico da herança previsto na Lei 9.532/1997, norma posterior e especial. Em matéria tributária, vigora a legalidade estrita, e a norma especial prevalece sobre a geral.
Ao reafirmar esses princípios, o STJ oferece previsibilidade a herdeiros, advogados e planejadores sucessórios, reduzindo o risco de autuações baseadas em interpretações expansivas. O tribunal também lembrou que, no caso de fundos de investimento, a legislação então vigente previa a incidência de IR na fonte no momento do resgate das cotas, com base na diferença entre o valor resgatado e o custo de aquisição.
No episódio analisado, não houve resgate nem qualquer realização de ganho econômico, apenas substituição do titular das cotas no cadastro da instituição financeira, mantendo-se o mesmo valor declarado pelo falecido.
A tributação nessa hipótese significaria exigir imposto sobre patrimônio não acrescido, em desacordo com a natureza do Imposto de Renda. Outro ponto ressaltado foi a existência de tributo próprio sobre a transmissão causa mortis: o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência estadual.
A cobrança simultânea de IR sobre a mesma operação, sem ganho de capital, configuraria bis in idem e violaria a lógica segundo a qual o Imposto de Renda incide apenas sobre acréscimos patrimoniais efetivamente realizados.
Ao afastar essa sobreposição, a decisão reforça limites à atuação arrecadatória e contribui para um ambiente tributário mais estável. Com isso, a 2ª Turma deu parcial provimento ao recurso especial e restabeleceu a sentença de primeiro grau, que havia concedido a segurança aos herdeiros e afastado a exigência de IR sobre a transferência das cotas avaliadas pelo valor histórico.
O entendimento firmado é o de que a herança, por si só, não constitui fato gerador de IRPF, e que a tributação só é legítima se, na transmissão, houver valorização em relação à última declaração do falecido. Ao consolidar essa interpretação, o STJ fortalece a segurança jurídica dos contribuintes e oferece diretrizes claras sobre os limites da incidência do Imposto de Renda na sucessão causa mortis. * Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai)

