Tribuna Ribeirão
Artigos

Legisladores que condenam nosso futuro comum 

Perci Guzzo *
[email protected]

Buda disse que a grande guerra – interna e externa – é travada entre a ignorância e o conhecimento e não entre o bem e o mal. Os contos de fada se prestam melhor ao discernimento entre estes últimos.

Legisladores despreparados e cobiçosos projetam um futuro incerto, inseguro e inóspito para a sociedade brasileira. Dizem buscar por segurança jurídica, mas o fazem a qualquer custo, desrespeitando profundamente as leis da natureza. As consequências são tragédias sucessivas como a que enfrenta o estado do Rio Grande do Sul neste momento, pois nos distanciamos de ações de mitigação e adaptação às mudanças do clima.

Uma legião de 324 deputados federais e 50 senadores retrógrados pressionaa pauta atual do Congresso Nacional com o “Pacote da Destruição”: 25 PLs – projetos de lei e 3 PECs – Propostas de Emenda à Constituição, desmontam a legislação ambiental e fragilizam os instrumentos de proteção ao meio ambiente. Perda de direitos consagrados que geram novos conflitos socioambientais; esse é o cenário.

Alguns exemplos. PL 364/2019, elimina a proteção da vegetação não florestal do país (campos nativos, pântanos naturais e alguns tipos de cerrado), sujeitando 42,6 milhões de hectares à uma conversão descontrolada para uso agropecuário. PL 2129/2021, implode o licenciamento ambiental no país, tornando-o uma exceção e não uma regra, pois dissemina o modelo autodeclaratório. PL 10278/2018, elimina recursos fundamentais para as atividades de fiscalização e monitoramento do IBAMA e também dos órgãos ambientais estaduais.

Mais exemplos. PL 1282/2019 e PL 2168/2021, passa a considerar obras de irrigação como de utilidade pública em áreas de preservação permanente (APPs), provocando derrubada de vegetação ciliar, aprofundamento da crise hídrica e novos conflitos pelo uso da água. PL 2633/2020 e PL 510/2020, extensão de direitos garantidos a pequenos proprietários para latifundiários e grileiros que invadiram terras públicas e desmataram ilegalmente. PL 5822/2019 e PL 2623/2022, permite a exploração mineral em Unidades de Conservação.

Outros exemplos. PEC 48/2023, acrescenta o marco temporal ao Artigo 231 da Constituição, afetando frontalmente o direito fundamental dos povos indígenas ao seu território tradicional. PEC 59/2023, delega ao Congresso Nacional a competência para demarcação de terras indígenas, ferindo cláusula pétrea da Constituição (separação dos poderes). PL 6050/2023, permite regularização de exploração mineral e outras atividades econômicas em Terras Indígenas.

A maior parte dessas iniciativas é impulsionada pelo modelo de desenvolvimento do tipo colonial, ou seja, o país como grande exportador de matérias-primas (minérios, alimentos, combustíveis e água). Estamos vivendo a reprimarização da economia brasileira. Imersos em um sistema mercantilista voraz, esse caminho não distribui a riqueza gerada, pressiona e destrói os recursos naturais e fragiliza governos democráticos. Ainda, imputa ao Estado a função de reparação dos danos.

A emergência climática, paradoxalmente, pode vir a ser uma oportunidade de nos safarmos dos colapsos que estão logo aí a frente. Há conhecimento suficiente e disponível no país para a adaptação ao novo normal climático.

Devemos começar pela reestruturação do Novo PAC – Programa de Aceleração do Crescimento – do governo federal que investirá 18,3 bilhões em obras de infraestrutura nos próximos anos. Que sejam obras projetadas prioritariamente sob as bases da ciência do clima e da natureza e menos da tradicional engenharia cinza. Devemos iniciar também pela discussão e projeção de medidas na escala local já que as eleições municipais é uma grande oportunidade para tomada de decisão dos eleitores e dos candidatos, na urna e na campanha, respectivamente.

Para os senhores deputados e senadores que se esforçam para condenar nosso futuro comum visando proteger e ampliar privilégios, e que possuem lugar de fala privilegiado, a resposta contundente deveria vir das ruas.

* Ecólogo e Mestre em Geociências. Autor do livro “Na nervura da folha”, lançado em 2023 pelo selo Corixo Edições  

 

 

Postagens relacionadas

Avanço com cautela

William Teodoro

Uma tornozeleira queimando no país que ainda soluça

Redacao 5

Vou te contar do Conti

Redação 1

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com