Tribuna Ribeirão
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Leitura e remissão de penas

Sidnei Beneti *
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Elogiável a iniciativada FUNPEC-RP Fundação de Pesquisas Científicas de Ribeirão Preto por seudiretor Alexandre de Castro Moura Duarte, doadores dos livros e dos idealistas Acadêmicos Fernanda Castello Moço Ripamonte e Rui Flávio Chúfalo Guião, Membros da Academia Ribeirãopretana de Letras, quando fizeram a entrega de novecentos livros doados à Vara das Execuções Penais de Ribeirão Preto.

No tempo em que em Ribeirão Preto todos os prisioneiros ficavam na Cadeia Pública, na Rua Duque de Caxias, atrás da Delegacia de Polícia, já havia o costume de doar livros para povoar de imaginação externa a solitária vida dos encarcerados. Muitos deles eram pessoas conhecidas da cidade, em saudosa época em que o cumprimento da pena geralmente ocorria na própria Comarca, indo aos estabelecimentos penitenciários somente quem registrasse numerosas condenações pesadas.

A produção de livros era reduzida e custava caro. Mas instituições e famílias locais enviavam aos presos coleções inteiras dos clássicos da cultura da época, como as obras de Machado de Assis, Júlio Verne, Paulo Setúbal, Monteiro Lobato, José de Alencar, Victor Hugo, Alexandre Dumas Filho. Também a então famosa “Coleção Saraiva”, com grandes obras da literatura brasileira e internacional, as enciclopédias lustradas “Trópico”, o “Tesouro da Juventude”, formosas Antologias Poéticas, com poesias que muitos passavam a recitar de cor, e, evidentemente, como em todos os tempos, “A Bíblia”.

O número de presos iletrados era muito maior, mas muitas vezes havia quem a eles lesse em voz alta ou recontasse histórias lidas. Mais ou menos como a história, romanceada de fato verídico, por Bernard Schlink, no livro “O Leitor”, em que, na culta Alemanha, ex-prisioneira de guerra por haver integrado a SS Nazista, relaciona-se com jovem estudante, que lhe lê livros, a ela, que havia assinado a confissão omitindo, por pudor, o fato de não saber ler… A história deu o belo filme, do mesmo nome “O Leitor”, com Kate Winslet e Ralph Finnes!

Os programas atuais de remissão de dias de condenação à base do número de livros lidos resumidos seguem tradição que vem de mais longe. Autoridades penitenciárias estaduais e depois o Conselho Nacional de Justiça com resoluções, atualmente a Resolução 391/2021, desenvolveram o programa de leitura. A Imprensa noticia numerosos casos individuais de remissão de muitos dias das condenações com base em prestação de contas de livros lidos, resumidos e analisados.

Em pleno desenvolvimento abem-sucedida aplicação prática, os programas de leitura de livros nos estabelecimentos prisionais brasileiros constituem exemplo de que a leitura, além de constituir recreação e forma de passar o tempo, conduz ao progresso do ser humano, via acumulação de conhecimento para a vida útil à sociedade. Embora os tempos e, mesmo, os livros, inclusive eletrônicos, sejam outros, o ser humano conserva-se o mesmo e a leitura sempre lhe abrirá as portas da esperança.

E talvez, quem sabe, da constância das leituras resultem futuros escritores que vivem, ou já terão vivido, a terrível experiência do presídio. A história é cheia de exemplos. Clássicos da literatura mundial, como “De Profundis”, de Oscar Wilde, “Recordações da Casa dos Mortos”, de Dostoievski, “Diário do Ladrão”, de Jean Genet, “Memórias do Cárcere”, de Graciliano Ramos.Ou “2455-Cela da Morte” e “A Lei Quer que eu Morra”, autodefesas de CarylChessman, aguardando por anos a execução de pena capital, ou “Boca do Lixo”, de Hiroito de Moraes Joanides – entre tantos outros.

Nem que seja algo à moda daquela saborosa história fantástica escrita pela imaginação de Malba Tahan, em “O Sábio da Efelogia”, do ex-prisioneiro que sabia tudo o que começasse pela letra “F” porque durante longa prisão política na Sibéria, havia lido e relido por anos apenas as páginas da letra “F” de uma grande enciclopédia, deixada por antigo prisioneiro!

* Professor livre-docente pela Faculdade de Direito da USP e titular emérito da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça e ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Ex-presidente e presidente Honorário da União Internacional de Magistrados (Roma) e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras, Cadeira 34, Patrono: Graciliano Ramos 

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