A desembargadora Paola Lorena, da Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), reformou a própria decisão e determinou a restituição de saldo do cartão de vale-transporte – o Nosso Cartão – não utilizado por uma usuária do transporte coletivo urbano por mais de dois anos. A liminar concedida em primeira instância voltou a valer.
Em 12 de junho, a magistrada havia cassado a liminar deferida pela juíza Lucilene Canela de Melo, da 2ª Vara da Fazenda de Ribeirão Preto, que determina a restituição imediata de saldo do cartão de vale-transporte. Apesar da nova decisão da desembargadora Paola Lorena, o valor não poderá ser utilizado pela passageira até o julgamento final da ação (mérito).
Procurada, a prefeitura de Ribeirão Preto disse que ainda não foi notificada da nova decisão. A desembargadora havia acatado recurso do Consórcio PróUrbano – grupo concessionário do transporte coletivo urbano em Ribeirão Preto desde 2012, formado pelas empresas Rápido D’Oeste e Transcorp – e, sem analisar definitivamente o mérito da ação, entendeu que não houve prova da urgência para justificar a concessão de liminar.
Em 26 de maio, a juíza Lucilene Canela de Melo expediu liminar que mandava a prefeitura de Ribeirão Preto e o Consórcio PróUrbano restituírem, no cartão de uma usuária do transporte coletivo urbano, o valor de R$ 1.084,05 retidos devido a uma lei municipal.
Há cerca de dois meses, a usuária impetrou ação civil para receber os créditos que foram retidos em seu cartão do transporte coletivo. Em 12 de dezembro de 2022, a Câmara de Vereadores aprovou e o então prefeito Duarte Nogueira (PSDB) sancionou a lei que estabeleceu o prazo máximo de dois anos para que os passageiros utilizem os valores.
Segundo o advogado da usuária, Nicolas Saraiva Aguiar, a liminar determina que, em 24 horas, o valor fosse restituído ao cartão de sua cliente, mas em juízo. Na ação, a defesa da usuária, afirma que prefeitura, RP Mobi – Empresa de Mobilidade Urbana de Ribeirão Preto S.A, a antiga Transerp, responsável pelo trânsito e transporte – e o Consórcio PróUrbano não dão publicidade aos usuários sobre os créditos que estão com o prazo próximo de vencer.
Afirma que a lei causa prejuízo ao passageiro, em discordância com o Código de Defesa do Consumidor. Ou seja, seria leonina e favoreceria desproporcionalmente uma das partes em detrimento da outra, causando prejuízo aos passageiros.
Em sua decisão, a juíza Lucilene Aparecida Canella de Melo afirmou que houve falha por parte dos réus ao não informarem de forma clara e objetiva a usuária sobre a expiração iminente do saldo existente em seu cartão de vale-transporte.
Desde dezembro de 2022 quando a lei foi sancionada, já foram retidos pela prefeitura, R$ 9.337.343,74 de um total de 8.891 cartões (usuários). Os dados incluem os valores vencidos até o mês de março deste ano e foram levantados, a pedido do Tribuna, pela atua gestão, por meio da Secretaria de Administração.
Somente nos três primeiros meses deste ano, venceram créditos no total de R$ 2.846.967,66, sendo R$ 663.460,67 no mês de janeiro, R$ 1.335.692,15 e R$ 847.814,84 em março. Já no mesmo período foram depositadas pelos usuários nos cerca de 415 mil carões ativos na cidade um total de R$ 28.983.577,10. A maior parte dos depósitos foi feita pelas empresas pelo Programa Vale Transporte dos trabalhadores.
A lei que criou a retenção do dinheiro estabeleceu que os valores vencidos sejam repassados ao Consórcio Pró-Urbano. O grupo tem 362 ônibus distribuídos em 119 linhas. Por dia, transporta cerca de 150 mil passageiros – número de vezes que a catraca gira.
Os valores são descontados do subsídio que a prefeitura faz ao grupo para a manutenção do transporte coletivo. Em Ribeirão Preto, para evitar reajuste no valor atual da tarifa da passagem, que é de R$ 5,00, a administração paga R$ 3,45, já que o custo real seria de R$ 8,45. Também repassa recursos pela gratuidade dos estudantes, idosos e pessoas com deficiência (PcD). Procurada, a atual gestão disse que ainda não foi notificada da decisão.
Discussão antiga – O destino dos recursos dos cartões do transporte coletivo é uma discussão antiga na cidade. Em 2019, a Câmara aprovou decreto legislativo apresentado pelos então vereadores Marcos Papa (então na Rede, hije no Podemos) e Nelson Stefanelli, o “Nelson das Placas” (então no PDT), estabelecendo que o Consórcio PróUrbano fizesse a devolução em dinheiro aos usuários com créditos monetários não utilizados no Cartão Nosso.
Na época, o levantamento indicava que o montante chegava a R$ 21 milhões. O decreto argumentava que, ao proibir a devolução, a administração municipal desrespeitou o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, por proibir a devolução a quem tem direito a estes valores. O assunto acabou indo parar no Ministério Público de São Paulo (MPSP), mas com a aprovação da lei que criou a retenção, o assunto foi esquecido pelos parlamentares.