A socióloga Izelda Amaral, 78 anos, natural de Araraquara (SP), lançou em setembro o livro “No ar da ditadura”, obra que transforma a experiência pessoal em documento histórico e poético sobre um dos períodos mais sombrios do Brasil. O lançamento ocorreu no dia 13 de setembro, na Casa da Praça, em Leme (SP), reunindo leitores, estudiosos e amigos.
A narrativa mergulha em 1971, quando Izelda e o companheiro, Francisco, foram presos e torturados em São Paulo pela Operação Bandeirante. O título, explica a autora em entrevista ao Tribuna Ribeirão, surgiu da própria dificuldade em organizar memórias marcadas pela dor: “Cada fato surgia envolto em uma névoa da memória. Passei a chamar essa névoa de Ar da Ditadura. Aos poucos percebi que toda a narrativa estava imersa nesse ar pesado, que nos sufocava naquele tempo.”
A dor da lembrança e o dever de narrar
Escrever, segundo ela, foi um ato de coragem, mas também de responsabilidade. “Doer, doeu muito. Remexer em feridas e perdas provoca dor. Mas narrar é preciso para que histórias como a minha não fiquem submersas. A violência política pode causar danos irreparáveis e deve ser combatida”, disse ao Tribuna Ribeirão.
Em muitos momentos, as lembranças se impuseram como se ainda estivessem vivas no presente: “As agressões e cerceamentos da liberdade não se apagam. Cada vez que afloram rompem a barreira do passado e voltam a ser presentes.”
Apesar da brutalidade da repressão, Izelda ressalta que o cotidiano dos jovens militantes também era feito de afetos.
“As relações interpessoais permaneciam plenas de afeto, cuidados e paixões. Mesmo em meio à dor, mantínhamos o respeito pelo ser humano e a alegria de viver. Esse equilíbrio entre violência e ternura é o que sustenta a narrativa do livro.”
Uma mensagem para as novas gerações
A autora afirma que decidiu publicar a obra pensando principalmente nos jovens que não viveram os anos de exceção. “É um exercício didático. Procurei mostrar o quotidiano da época para que as novas gerações reconheçam o valor da liberdade e entendam o perigo de um retorno de forças políticas de caráter ditatorial.”
Ao refletir sobre a democracia brasileira, Izelda é categórica: “Nossa democracia ainda é uma criança. A Ditadura deixou marcas profundas. Temos partidos políticos que comercializam votos, escolas que ainda seguem cartilhas autoritárias, instituições públicas que não prezam pela liberdade. Há um longo caminho pela frente.”
Fechamento de ciclo
Mais de cinco décadas depois dos acontecimentos, “No ar da ditadura” representa para a autora uma forma de fechar um ciclo pessoal e político. Além disso, consolida sua trajetória como escritora e palestrante, ampliando sua voz para além do ambiente acadêmico.
Disponível na Amazon, o livro se coloca como leitura essencial para quem deseja compreender a ditadura militar não apenas pela ótica histórica ou investigativa, mas pela sensibilidade de quem a viveu na pele — entre amor, dor e resistência.

