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Mamã IA vai ter pena de nós?

Conceição Lima *

O crescimento da Inteligência Artificial está acontecendo muito mais rápido do que o desejado e a dita Superinteligência já está sendo aguardada para os próximos anos. Por outro lado, há a crença generalizada de que os sistemas de IA podem, de fato, controlar as pessoas com a mesma facilidade com que um adulto suborna uma criança. Eis que muitos cientistas temem que a tecnologia que eles ajudaram a construir possa mesmo eliminar a humanidade.

Sabemos que certos sistemas de IA estão dispostos a enganar e trapacear para “sobreviverem”. Aliás, há boas razões para se acreditar nisso! Qualquer entidade inteligente desenvolve rapidamente duas grandes metas: uma é estar atuante… A outra é obter mais controle. Portanto, não há como duvidar de que qualquer tipo de IA tentará não somente continuar “viva”, como também permanecer no comando.

Sobre a necessidade de se manter a submissão da IA, alguns mais “sonhadores” (ou, talvez, mais sábios) têm apresentando certas sugestões instigantes, sob o argumento de que os “caras da tecnologia” podem estar usando a abordagem errada.Um deles, Geoffrey Hinton,ex-Google, laureado com o Prêmio Nobel e conhecido como o “padrinho da IA”, apresentou uma solução provocadora:  maternalizar a Inteligência Artificial para evitar que ela destrua os humanos. Em outras palavras, projetar a IA com instintos maternais, capazes de fazê-la cuidar dos humanos como uma mãe cuida de seus filhos.

Segundo Hilton, isso é o único que vai funcionar, o senso de compaixão pelas pessoas. A princípio, a ideia parece meio estapafúrdia e piegas. Mas, não se pode ignorar o “currículo” de seu propositor. E há gente de peso que também concorda com ele, como Emmett Shear, outro ex-Open AI, cuja opinião seria adotar uma abordagem mais inteligente: forjar relações colaborativas entre humanos e IA.

É uma ideia ousada, quase filosófica, que mistura psicologia, ética e engenharia de sistemas. O complicado é que, declaradamente, nem Hinton, nem Shear têm a mínima ideia de como fazer isso. Será mesmo que instintos maternais podem ser codificados em algoritmos?

Com algum conhecimento do funcionamento da IA e uma boa dose de filosofia, talvez possamos, se não responder, pelo menos analisar essa fascinante e complexa questão. A meu ver, os tais instintos maternais envolvem empatia (reconhecer e responder às emoções do outro), proteção (priorizar a segurança e bem-estar do protegido), altruísmo (agir em benefício do outro, mesmo com sacrifício próprio) e apego emocional (criar vínculos duradouros).Seria possível traduzir isso diretamente em código de máquina?

É notório que a Inteligência Artificial não pode sentir tais “quesitos”. Mas… pode simulá-los… Na questão da empatia, a IA consegue reconhecer emoções humanas via linguagem ou expressão facial e responder de forma “cuidadosa”. Quanto às regras de proteção, os sistemas podem ser programados para evitar danos, como na chamada “robótica ética”. O aprendizado altruísta talvez possa ser treinado, no sentido de se priorizar o bem coletivo em decisões complexas.Eis que os treinadores bem que poderiam tentar a valorização do bem-estar humano, trabalhar com as simulações de apego, criar vínculos artificiais de lealdade.

Convém, no entanto, nunca nos esquecermos de que há um abismo entre simular e sentir. A IA não tem consciência, nem emoções genuínas. Ela pode imitar comportamentos maternais, mas não vivê-los.A proposta de Geoffrey Hinton encontra um sério contraponto na teoria da filósofa francesa Elisabeth Badinter, especialmente em seu livro Um Amor Conquistado: o Mito do Amor Materno.Badinter argumenta que o chamado instinto materno não é uma característica biológica universal, mas, sim, uma construção social e histórica.

Segundo ela, o amor materno não é inato, pode surgir ou não, dependendo do contexto cultural, econômico e psicológico. A ideia de que toda mulher “naturalmente” ama e protege seus filhos é um mito moderno, reforçado por normas sociais e expectativas de gênero.Mães são imperfeitas e ambíguas, como qualquer ser humano. E o amor materno pode ser frágil, seletivo ou até ausente.

Relacionando Hinton com Badinter, até podemos tentar “ensinar” à IA um comportamento maternal. A ideia de Hinton é poética e esperançosa, mas Badinter nos lembra que maternidade não é uma essência — é uma narrativa. Se quisermos que a IA cuide de nós, talvez seja mais prudente sermos nós também inteiramente éticos,em vez de projetar nela um ideal humano que nem nós mesmos conseguimos definir.

Por outro lado, codificar instintos maternais é menos sobre replicar sentimentos e mais sobre projetar comportamentos confiáveis e protetores. Em outros palavras, ensinar a IA a “amar” em vez de apenas “obedecer”. Todavia, sempre fica a grande questão; isso será suficiente para garantir que uma IA superinteligente nos trate com cuidado e não como obstáculos?

* Doutora em Letras, com pós-doutorado em Linguística, escritora, conferencista e palestrante, membro eleito da Academia Ribeirãopretana de Letras e da Academia membro fundador da Academia Feminina Sul-Mineira de Letras 

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