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Médico amigo

Antes do final do ano o médico e amigo Laudo Silva Costa encerrou o seu curso visível, após exercer por longos anos sua profis­são, como também por transferir para sua convivência lições de cultura e amizade. Fomos grandes amigos.

Ainda adolescente se dispôs a estudar filosofia e línguas estran­geiras. Encerrando seu curso de Medicina, encaminhou-se para a cadeira de Oftalmologia e nela aprofundou seus conhecimentos na área do câncer.

O tal câncer atingia, quase sempre, as crianças. Era ou é identi­ficado porque um dos olhos passava a brilhar como brilha durante a noite os olhos de alguns animais. Tivemos um caso na família, o Beto, que teve o câncer identificado por seu pai que era médico, no momento em que apagava uma luz.

O mal irradiava pelo menos dois problemas. O primeiro se referia à extensão da doença. O segundo surgia da necessidade de se retirar o olho afetado.

Quanto à primeira questão, assinalava que não era simples o diagnóstico. Algumas vezes, o brilho anormal do olho atingido não identificava nenhuma doença e a visão da vítima seguia sem qual­quer tipo de intervenção.

Quanto à segunda questão, identificado o câncer, o olho atingido deveria ser imediatamente retirado por isso que a evolução do qua­dro era então irremediável, causando horríveis consequências.

A dificuldade maior residia na necessidade do paciente ser ob­servado quase que diariamente pelo médico incumbido de proceder ao diagnóstico diferencial. O erro era irreparável, seja cometendo um juízo apressado ou retardado.

Perante esse panorama, o doutor Laudo se dedicava noite e dia não somente ao atendimento dos pacientes no Hospital das Clínicas, como também ao estudo diário daquele e de outros temas de sua especiali­dade. Não se submetia ao descanso nem nos dias santos e feriados.

Num dia, perdido no passado, fui procurá-lo no Hospital das Clínicas. Lá estava ele convocado para atender urgentemente um pa­ciente. Na sala de espera encontrava-se a sua filha Juliana. Esclareceu que, naquele momento, teve que vir para o consultório com a filha tendo em conta a impossibilidade de somar a urgência do chamado médico com o dever paternal.
Tinha tempo, no entanto, para continuar seus estudos sobre idiomas estrangeiros, como para conviver intensamente com seus familiares e amigos. Desde os tempos escolares, quase sempre se apresentava calado, interrompendo seu silêncio apenas para proferir decisões montadas e remontadas numa cultura invejável.

Há pouco tempo reproduzi a frase do argentino cego Jorge Luís Borges que, refutando o tempo, disse que “só se perde aquilo que nunca se teve”. Vale a pena voltar à questão para reafirmar que se convivemos com o amigo Laudo por longo tempo, não o perdemos agora porque, se o tivemos no passado, continuamos convivendo com ele para o que resta da nossa caminhada.

Porém é preciso acrescentar que a Medicina, seus alunos e seus pacientes não estarão agora perdidos porque realmente só se perde aquilo que nunca se teve.

Na semana passada ocupei este espaço para referir-me a duas mulheres e negras que se tornaram extraordinárias professoras de nossas escolas primárias por volta de 1950, ou seja, as irmãs Sebastiana e Alice Garcia. Sugeri que suas memórias deveriam ser eternizadas com a aplicação de seus nomes a uma das nossas ruas.

O meu amigo Rui Flávio Guião comunicou-me que já há uma rua com o nome da dona Sebastiana na Vila Virgínia e que ele havia sido seu aluno no então Primeiro Grupo Escolar. Meus agradecimentos.

Ribeirão Preto tornar-se-ia maior se desse a uma de suas ruas o nome da também extraordinária Professora Alice Garcia, da qual fui seu aluno em 1948 no Segundo Grupo Escolar.

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