Tribuna Ribeirão
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Memórias de um avô para seus netos

Antonio Carlos A. Gama *

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Antigamente, as coisas eram simples, claras, definitivas.

Quem foi que descobriu o Brasil? Foi Seu Cabral, foi seu Cabral, numa terça-feira de Carnaval!

Peri amava Ceci, e Colombo não era agente português atravessado na Corte espanhola.

Até os urubus, com suas casacas, tinham muita dignidade, de asas abertas na cumeeira dos telhados a enxugar-se das pancadas das chuvas de verão.

O mapa-múndi, imenso, cobria toda a parede da sala de aula, com seus mares, rios coloridos, seus países, suas ilhas, suas fronteiras inabaladas ainda indevassáveis ao olho invasivo da televisão e dos satélites.

Levávamos toda uma vida, uma lenta vida, para descer de canoa do Oiapoque ao Chuí.

Marx não era o profeta barbudo do “Capital”, era o nome de um macaco safado que escapava da sua corrente, vinha arreliar as casas vizinhas, levantar as saias das mulheres e, recapturado, mordia o dedo do seu dono.

Freud ainda era pouco conhecido e todas as crianças um dia ou outro recebiam umas palmadas, porque é de menino que se que torce o pepino e pé de galinha não mata pintinho.

A Pátria esperava que cada homem cumprisse com seu dever, mas o primeiro dever do homem é viver.

O seu trisavô Tufy discursava na Câmara de Vereadores, nos enterros e demais solenidades da cidade mineira, ao mesmo tempo em que este neto dele, no Grupo Escolar Barão de Guaxupé, soletrava: “vovô viu a uva, vovô viu a ave, a ave da viúva voou”, como voam todas as aves.

Na vastidão da noite, os lobisomens podiam andar à solta pelos descampados e encontrar-se nas encruzilhadas com as mulas-sem-cabeça. O homem do saco percorria, tranquilo, as ruas vazias da cidade. 

A manhã tornava a nascer e a vida recomeçava limpa e fresca nas toalhas de linho da mesa de café.

Hoje, eu me vejo no espelho, avô, e com vocês torno a ser menino, porque só os meninos sobreviverão. Os outros, não.



* Promotor de Justiça, aposentado, advogado, professor de Direito e escritor

 

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