José Aparecido Da Silva*
(Dedico esta crônica à Baronesa dos Cafezais, que me ensinou, numa tarde amorenada, o que é ser arrogante)
Passou-se isto na Capital dos Canaviais, Ribeirão Preto. O ano era de 2025. O lugar era um hortifruti renomado na cidade. Os personagens eram apenas dois: uma baronesa, com seu Audi verde oliva, último ano, reluzente, e um professor grisalho, com seu Mobi-Fiat preto, ainda andante e cuidado pelas próprias mãos. O dia, uma sexta-feira do mês de julho. Tarde fria, que se amorenava com o esconder do sol. Um esconder feito tão rapidamente como se o astro, cansado de seus esforços para se manter brilhante ao longo do dia, refletisse sobre o fato de o sol nascer para todos.
Já entrado no outono de minha vida, eu caminhava rapidamente para ser pontual no encontro previamente marcado com minha companhia daquele dia: a lua. Dia de lua cheia, que logo estaria surgindo, imensamente próxima, no horizonte. Mas que, ao elevar-se rapidamente ao céu, pareceria pequena e distante. A Ilusão da lua, como esse elevar-se é conhecido pelos estudiosos de percepção. Psicofísico que sou, vivamente apaixonado por tal fenômeno, estaria a admirá-la neste fenômeno natural que, desde os primórdios da humanidade, tem demandado explicações. Com a tarde esfriando muito rapidamente, fato comum no inverno, fui ao hortifrúti em busca de um caldo para aquentar a noite fria que já se anunciava. E assim sai rapidamente do meu paraíso, o Campus da USP, no qual sigo por quase 50 anos de vida acadêmica/científica produtiva, pensando nesses tempos saudosos que não tem mais replay. Missão cumprida, todavia.
Chegando ao hortifrúti, num ambiente externo de vagas para idosos, logo estacionei meu velho carro operacional. Mas, antes mesmo de abrir a porta, adentrou ao meu lado, ligeiro como um Samurai de Kurosawa, um Audi de causar inveja. Mas da mesma inveja que, no ditado popular, é dita ser falta de inteligência. Desci apertado. Do Audi também desceu uma Senhora. Que poderia ser uma personagem de Machado de Assis, mas que logo se mostrou ser apenas mais uma Baronesa dos tempos do Imperador. Nem jovem e nem velha, uma senhora simplesmente, que, vendo minha dificuldade em sair pelo exíguo espaço por ela deixado, falou com ironia e sarcasmo:
-Espero que tenha cabido o seu carrinho.
-Oh! – disse eu, talvez com expressão um pouca zangada – Coube, sim. Grato por permitir. Mas, aqui neste espaço, só não caberia o meu QI (Quociente de Inteligência).
A senhora, então, me olhando dos pés à cabeça, retrucou:
-Desculpa-me, Professor.
Pensei comigo, “Como ela sabe que sou Professor?”. Sempre usando meu surrado moletom, e camiseta estampando University of California, Santa Bárbara, me assemelho mais ao futebolista que fui, num passado que não volta mais.
Então repliquei:
– Não por isso. Somos todos arrogantes.
E ela ficou mais pasmada quando acrescentei:
– Tudo segue o princípio de um espectro, de um continuum. De tudo alguns têm pouco, outros muito, outros moderadamente e muitos tantos nada têm. Aqui incluo a nossa ignorância, os nossos QIs e, por que não, até mesmo a nossa gratidão.
Adentrei ao hortifrúti, comprei rapidamente meu caldo quente e voltei ligeiro ao meu carro. Triste, não vi mais o pôr do sol e nem a lua surgindo no horizonte. Mas, mais tarde, refletindo sobre tudo isso, a vi no zênite brilhante, distante, pequena e me pedindo perdão. Uma lágrima rolou.
Professor Titular Sênior da USP-RP*

