Tribuna Ribeirão
Artigos

Meu tio

Rui Flávio Chúfalo Guião *

[email protected]

Acácio Palma Guião, um dos irmãos mais velhos de meu pai, teve grande influência na minha formação pessoal e intelectual. Solteirão convicto, dedicou a mim sua atenção e carinho e tentou me introduzir nos vários mundos onde vivia.

Nasceu em Santa Rita do Passa Quatro, no ano de 1894, cidade natal de minha avó ,Umbelina Vieira de Andrade Palma, embora a família morasse em Cajuru.

Ela era casada com meu avô João Rodrigues Guião, com quem deu início a uma família de sete filhos, todos com formação universitária.

Em busca de melhores escolas, a família mudou-se para Ribeirão Preto e Acácio frequentou o Primeiro Grupo Escolar, hoje Guimarães Jr. e o Gymnásio do Estado,hoje Otoniel Mota, onde integrou a segunda turma de seus formandos.

Desejando ser médico, entrou e graduou-se na Escola Paulista de Medicina, onde também defendeu tese de doutorado.

Gostava de me contar que, certa vez, o dono da pensão onde morava quando estudante teve com ele um pequeno desentendimento. Como o estalajadeiro e família almoçavam e jantavam junto com os hóspedes, meu tio conseguiu um remédio que produzia vômitos e, às escondidas, colocava-o na comida dele, durante o almoço. Era comer e sair correndo para o banheiro.

O fato não se repetia no jantar.

Durante alguns dias, o fenômeno se repetia, até que o dono da pensão procurou um médico famoso de São Paulo, que, não conseguindo fazer um diagnóstico da “doença” marcou uma cirurgia exploratória do estômago do pobre coitado.

A adição do vomitivo foi suspensa e o homem sarou milagrosamente…

Voltando à nossa cidade, foi contratado para ser médico da Fazenda Dumont, adquirida por um consórcio inglês de seu antigo proprietário, o pai de Alberto Santos Dumont.

Ali exerceu a medicina geral por mais de 20 anos. 

A administração do empreendimento era feita somente por ingleses, o que o obrigou a aprender a língua, que mais tarde me ensinaria.

Quando eu tinha uns dez anos, meu tio pendurou uma grande lousa na garagem da minha casa (era nosso vizinho) e, diariamente, dedicava uma hora do dia para me ensinar inglês.

Decifrou-me a gramática inglesa, obrigava-me a ler periódicos britânicos que assinava, aperfeiçoou meus conhecimentos e meu sotaque, o que me ajudou muito quando depois fui intercambiário nos Estados Unidos. Tenho hoje o inglês como segunda língua e devo a ele esta habilidade.

Se foi bem sucedido nos vários campos de minha formação, não conseguiu sucesso num deles: a pesca.

Desde muito pequeno me levava ao lago da Faculdade de Medicina, onde pescava tilápias, então recém introduzidas no país. Ao seu lado, minha pescaria era tímida e pobre.Na véspera, preparava cuidadosamente as iscas de farinha cozida, aprontava as varas e tentava de tudo para me entusiasmar no hobby.

Certa vez, fomos com meus dois filhos mais velhos, então na casa dos sete e nove anos, tentar a pescaria no rio Pardo. O dia estava ruim, nublado. Meu tio e meus filhos pescaram um peixe cada um, e eu, nada.

Foi quando discretamente ele achegou-se a mim e disse:

“ Segure esta vara, tem um peixe fisgado, finja que foi você, para não ficar desmoralizado perante seus filhos “

Noite passada, sonhei com ele, já morto há mais de trinta e cinco anos e resolvi escrever esta crônica em sua homenagem, relembrando as estórias que me contava e as experiências de vida que me proporcionou.



* Advogado e empresário, é presidente do Conselho da Santa Emília Automóveis e Motos e secretário-geral da Academia Ribeirãopretana de Letras

Postagens relacionadas

Para que serve a guerra? 

Redação 2

Acreditava em frasqueira de parteira!

Redação 2

A cadeia produtiva da arborização urbana

Redação 1

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com