O Brasil acaba de registrar um marco relevante na luta contra a Aids: entre 2023 e 2024, o número de mortes pela doença caiu cerca de 13%, de mais de 10 mil para 9,1 mil óbitos — o menor patamar registrado em 32 anos.
Além disso, o país alcançou um feito de saúde pública: eliminou a transmissão vertical (de mãe para filho) do HIV — a incidência de infecção em crianças caiu para menos de 0,5 por mil nascidos vivos e a taxa de transmissão se manteve abaixo de 2%, conforme os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Esses resultados são fruto de décadas de mobilização, investimento e avanços no acesso ao diagnóstico, tratamento e prevenção. A ampliação da testagem, a distribuição gratuita de terapias antirretrovirais e da profilaxia pré-exposição (PrEP) pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e a melhoria no pré-natal para gestantes com HIV são fatores centrais que salvaram vidas.
No entanto, apesar das conquistas, o quadro epidemiológico mantém contornos preocupantes — e que exigem vigilância e ação contínua. Em 2023, por exemplo, o país ainda registrou 46,5 mil novos casos de HIV.
A epidemia, portanto, não está controlada: ela apenas mudou de feição. Menos fatal, mas longe de ser derrotada.
O desafio se complexifica diante da desigualdade social e do acesso precário ao diagnóstico e ao tratamento em muitas regiões e grupos populacionais. A literatura clínica evidencia que fatores como diagnóstico tardio, comorbidades e falta de acesso a cuidados regulares elevam drasticamente o risco de agravamento e óbito.
Além disso, existe o risco de complacência social: o fato de a mortalidade diminuir pode gerar sensação de que a Aids “deixou de ser ameaça” — um perigo na medida em que enfraquece políticas de prevenção, visibilidade, combate ao estigma e financiamento público. A epidemia continua viva, e a invisibilidade mata.
O Brasil demonstra que com vontade política, investimento em saúde pública e mobilização coletiva — ciência, SUS, movimentos sociais — é possível transformar a Aids de sentença de morte em doença crônica tratável. Mas a meta de erradicar a epidemia até 2030, traçada pela OMS e por organismos nacionais, requer urgência: ampliar testagem, garantir tratamento contínuo, fortalecer redes de atenção e manter a vigilância democrática.
Em última instância, o sucesso recente não pode ser desculpa para o retrocesso: o progresso precisa ser consolidado e expandido. Não há cura automática na queda de estatísticas — mas existe responsabilidade civil, coletiva e de Estado para assegurar que cada vida preservada conte.

