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Namoro blindado: o contrato que protege seu coração e seu bolso

Rodrigo Gasparini Franco *
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O contrato de namoro ganhou relevância no debate jurídico brasileiro como instrumento de prevenção de litígios afetivos e patrimoniais. Em termos diretos, é um ajuste formal firmado por duas pessoas que mantêm relacionamento afetivo para declarar que a relação não configura entidade familiar. Seu objetivo central é afastar os efeitos jurídicos típicos da união estável, especialmente no campo patrimonial, sem organizar a vida comum como fariam um pacto antenupcial ou um contrato de convivência. Diferentemente desses, o contrato de namoro não disciplina patrimônio de uma família já constituída; apenas registra a vontade atual de que a relação é — e pretende permanecer — um namoro, sem intenção de constituir família.

Na prática, ele oferece segurança a casais que convivem intensamente, viajam juntos, compartilham despesas e, às vezes, residem sob o mesmo teto, mas não desejam, naquele momento, assumir os efeitos de uma união estável. O ordenamento brasileiro reconhece a união estável a partir de critérios fáticos — publicidade, continuidade, durabilidade e intenção de constituir família — independentemente de formalização. Esse reconhecimento pode repercutir em meação de bens adquiridos onerosamente na constância da união, direitos alimentares, sucessórios e previdenciários. O contrato de namoro atua justamente nesse ponto: delimita a ausência de animus familiae e preserva a autonomia patrimonial, evitando que comportamentos cotidianos sejam interpretados como constituição de entidade familiar.

A distinção em relação à união estável é decisiva. A união estável é entidade familiar prevista no artigo 226, § 3º, da Constituição e regulada pelo Código Civil, com aptidão para produzir efeitos pessoais e patrimoniais. Exige, além da convivência pública e contínua, a intenção presente de constituir família. O namoro, por sua vez, pode ser sério e duradouro, sem que isso, por si, configure família. O contrato de namoro busca justamente afirmar a existência de vínculo afetivo sem o propósito familiar, afastando a presunção de esforço comum típica da vida em entidade familiar. Assim, ele não cria regime de bens, não define alimentos e não substitui a formalização da união estável ou do casamento quando essa intenção surgir; serve, antes, como registro da fase do relacionamento.

A jurisprudência recente tem tratado o tema com prudência e análise caso a caso. Os tribunais reconhecem validade ao contrato de namoro como manifestação de vontade e elemento probatório relevante, mas rejeitam sua função como blindagem absoluta. Quando a realidade fática demonstrar convivência com traços claros de constituição de família — comunhão de vida, planejamento conjunto, dependência econômica e apresentação social como companheiros —, há decisões que desconsideram o contrato e reconhecem a união estável. Por outro lado, na ausência de animus familiae comprovado, o documento tem servido como prova robusta para afastar efeitos familiares, sobretudo patrimoniais, evidenciando que o relacionamento se manteve no âmbito do namoro, ainda que público e duradouro.

Dessa orientação jurisprudencial decorre a conclusão sobre validade jurídica: sim, o contrato de namoro é válido, desde que atendidos os requisitos gerais (capacidade, objeto lícito e forma) e que não se destine a fraudar a lei ou terceiros. Em regra, confecciona-se por instrumento particular assinado pelas partes, preferencialmente com duas testemunhas; para maior segurança, pode ser lavrado por escritura pública em cartório. Seu alcance, contudo, é predominantemente declaratório e probatório: ele evidencia a vontade das partes e busca alinhá-la aos fatos, sem criar uma zona de imunidade quando a convivência, na prática, preenche os requisitos da união estável.

Quanto ao momento de firmá-lo e à sua utilidade específica, o contrato é indicado quando o casal deseja explicitar que não pretende constituir família naquele estágio, especialmente se houver elementos que, isoladamente, poderiam sugerir união estável. São situações típicas a coabitação por conveniência, a divisão de despesas sem comunhão patrimonial, viagens frequentes, planejamento de curto prazo e apresentação social como namorados, não como companheiros.

Também é recomendável em contextos de patrimônio sensível — empresas familiares, bens particulares relevantes, investimentos de alto risco ou a existência de herdeiros de relações anteriores —, nos quais a clara separação patrimonial é desejável. Em fases de transição, quando se experimenta a vida a dois sem compromisso de comunhão de bens, o contrato ajuda a delimitar fronteiras e a reduzir ambiguidades interpretativas. Nessas hipóteses, a formalização funciona como instrumento de clareza e segurança, contribuindo para a previsibilidade do relacionamento e para a prevenção de litígios futuros, sem impedir que, no momento oportuno, as partes optem por formalizar união estável ou casamento com o regime de bens mais adequado à nova realidade. 

 

* Advogado e consultor empresarial de Ribeirão Preto, mestre em Direito Internacional e Europeu pela Erasmus Universiteit (Holanda) e especialista em Direito Asiático pela Universidade Jiao Tong (Xangai) 

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