O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, Paulo Gil Introíni, diz que a implantação da Reforma Tributária Solidária evitaria a reforma da Previdência, tema central do governo de Jair Bolsonaro. Segundo ele, no Brasil, a relação entre a renda dos 10% mais ricos do país e a dos 10% mais pobres é superior a 50 vezes, “mas os habitantes do andar de cima pagam muito pouco ou quase nada de tributo, enquanto as camadas populares ficam com a conta do financiamento do Estado.”
Ele argumenta que o carro-chefe da proposta é a reformulação do imposto de renda, resgatando a sua progressividade efetiva.
O tema foi discutido em Ribeirão Preto, em um seminário que reuniu vários especialistas na Câmara Municipal. Do encontro, foi extraída a “Carta de Ribeirão Preto,” documento que baliza a proposta da Reforma Tributária Solidária e que deverá ser apresentada no Congresso como alternativa à reforma da Previdência. Leia, abaixo, a entrevista:
Tribuna – Por que o Brasil precisa de uma reforma Tributária?
Paulo Gil Introíni – Em primeiro lugar, porque, no Brasil, a desigualdade social, em todas as suas dimensões, é o principal problema a resolver. Somos um dos países mais desiguais do mundo e a tributação regressiva é uma das principais causas. Mais da metade da arrecadação tributária brasileira é extraída dos impostos e contribuições que incidem sobre bens e serviços, ou seja, quem arca com a carga são os consumidores, uma vez que os tributos estão embutidos nos preços.
Tribuna – E isso incide sobre quem?
Paulo Gil Introíni – Como os mais pobres consomem toda a sua renda, são os que arcam com o maior peso proporcional dos tributos. Em contraste, a tributação que incide sobre a renda é extraída basicamente daqueles que recebem rendimentos do trabalho; a tributação sobre ganhos financeiros encontra-se em patamar bem inferior à da renda do trabalho e os sócios e acionistas das empresas estão isentos do imposto em relação aos lucros e dividendos recebidos desde 1996. A tributação sobre a propriedade, especialmente a grande, não faz sequer cócegas aos detentores de riqueza. Podemos, desde já, cravar, a questão central da tributação é de natureza política: quem vai pagar a conta do financiamento do Estado e de suas políticas públicas?
Tribuna – O senhor fala em reforma tributária solidária. O que vem a ser isso?
Paulo Gil Introíni – No Brasil, a relação entre a renda dos 10% mais ricos do país e a dos 10% mais pobres é superior a 50 vezes, mas os habitantes do andar de cima pagam muito pouco ou quase nada de tributo, enquanto as camadas populares ficam com a conta do financiamento do Estado. Segundo os dados agregados das Declarações de Imposto de Renda da Pessoa Física, apenas 27 mil pessoas (0,1% dos declarantes), situados no topo da pirâmide social, recebem aproximadamente 12% da renda somada de todos os declarantes. Estes recebem, em média, mais de 10 milhões de reais por ano. A concentração de riqueza é ainda maior.
O carro-chefe da proposta é a reformulação do imposto de renda, resgatando a sua progressividade efetiva. Por meio da revogação dos dispositivos legais que preveem a desoneração tributária das rendas do capital – a maior e menos citada das renúncias fiscais – e da reestruturação da tabela progressiva de incidência do imposto, o resultado será: a isenção de cerca de 40% dos atuais declarantes do imposto (ou cerca de 10 milhões de pessoas); aproximadamente 50% dos atuais declarantes pagarão valor menor do tributo; aqueles que recebem entre 15 a 40 salários mínimos por mês não serão afetados; apenas 2,7% dos atuais declarantes terão aumento de imposto, por conta da criação da alíquota de 35% para os que recebem rendimentos na faixa de 40 a 60 salários mínimos mensais e da alíquota de 40%, incidente sobre a faixa de rendimentos superior a 60 mínimos.
Tribuna – Qual a origem desta proposta?
Paulo Gil Introíni – Ela foi elaborada por um conjunto de 40 especialistas reunidos num projeto coordenado pelo professor Eduardo Fagnani (Unicamp), de iniciativa da ANFIP e FENAFISCO, com a participação do Instituto Justiça Fiscal, Dieese, Oxfam, Fundação Friedrich Ebert Stiftung, Conselho Federal de Economia e Associação Brasileira de Economia da Saúde. É uma proposta formulada no campo dos movimentos populares. A proposta busca representar os interesses daquela ampla maioria que pouco participa do debate, mas que é a mais prejudicada com o sistema tributário vigente no País.
Tribuna – A reforma tributária solidária é uma alternativa à reforma da Previdência?
Paulo Gil Introíni – É um contraponto importante.
Não há necessidade de uma reforma da Previdência, quanto mais para mudar radicalmente suas bases, por meio de uma irresponsável e inconsequente migração do regime de solidariedade para o de capitalização individual, a não ser com o objetivo de retirar ainda mais recursos da população mais pobre e da classe média para entregar mais algumas centenas de bilhões de reais anuais para os banqueiros. A reforma da previdência de Bolsonaro, é a própria destruição do adolescente Estado Social brasileiro, cuja construção, de tempos em tempos, é interrompida.
Em sentido diverso, a reforma tributária progressiva é absolutamente imprescindível se o objetivo é reafirmar e retomar o projeto de construção do nosso Estado Social.
Tribuna – Qual a importância do lançamento da Carta Tributária Solidária?
Paulo Gil Introíni – Estou confiante que servirá de inspiração para muitos que lutam por um país melhor, socialmente justo e inclusivo. Constituirá também uma importante peça para um projeto nacional de interesse da população brasileira.



